Opinião: Com o pé na merda

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Imagine uma sujeito confiante, que sempre foi mais esperto que os outros. Em certa ocasião, encontrou uma poça e como o desvio era longo e se achava bem esperto, resolveu pular. Ele perdeu o eqüilíbrio e o pé acabou ficando na poça, que foi descobrir que era uma lagoa de cocô de cavalo. Que fazer para diminuir o prejuízo? Prosseguir ou retornar. Na posição em que se encontrava, qualquer alternativa para sair da merda envolvia grandes riscos… 

Nelson FukaiEsta é a situação em que se encontram os artistas Roberto Carlos, Caetano Veloso, Gilberto Gil, Erasmo Carlos, Chico Buarque, entre outros, que fazem, ou fizeram, parte do grupo “procure saber”. Com alegações vagas nas quais provavelmente nem eles acreditavam, lançaram um manifesto contra a publicação de biografias não autorizadas. Queriam as histórias de suas vidas com muita cor de rosa e poucos ou nenhum espinho – e, de quebra, faturar um cachê extra. Achavam que a opinião pública ia engolir sem resistência mais essa, daí que iam embolsar uma bela grana e ainda iam ficar bonito na foto, com historinhas onde eles iam posar de herói. Pensaram que o movimento logo teria a adesão de outras celebridades, que, como eles e como todos os outros seres humanos comuns, costumam fazer (e tentam esconder) algumas besteiras pela estrada da vida.  Mas o tiro saiu pela culatra. De todos os lados, principalmente de antigos companheiros e de jornalistas de grande credibilidade, foi uma enxurrada de críticas contundentes. Surpresos com a opinião pública flagrantemente contra, e sem a defesa ou a solidariedade de ninguém, ficaram atônitos. Como o sujeito com o pé na merda, estão se esgoelando para sair do enrosco em que se meteram, uns se mandando do movimento, outros desdizendo o que disseram e com gente afirmando que não estava onde estivera. Na verdade o pé enroscou na poça e está difícil sair dela, e mesmo que saiam, o mau cheiro vai continuar por um bom tempo, se é que um dia vai desaparecer.

ografias sérias são escritas sem a intenção de agradar ninguém, apenas de retratar fatos acontecidos com uma personalidade. Se o biografado, ou seus herdeiros, sentirem que houve abusos (mentiras ou suposições maldosas) podem recorrer, afinal, existem leis contra calúnia e difamação. E as penas são pesadas. Agora, impedir a publicação de biografias para esconder fatos e situações embaraçosas (quando não deprimentes) é pura censura. Alegam invasão de privacidade, mas se eles prezam tanto isso, deveriam ter escolhido o caminho sacrificante da clausura religiosa à vida glamorosa do mundo artístico E já que não estavam ganhando por esse lado, começaram a exigir o pagamento de royalties das editoras, alegando que os biografados é que tinham vivenciado as suas histórias. Como se essa turma não estivesse há décadas, ganhando rios de dinheiro ao tornarem públicas as suas obras.

Não há como negar que esta geração de artistas sessentões e setentões (Chico, Gil, Caetano, Roberto, Erasmo entre outros) são gente de enorme talento musical e poético. Nisso o Brasil foi um país privilegiado (se já não fosse antes com Lupicínio, Cartola, Pixinguinha, Tom, Jacó, Adoniram e tantos outros). Foram importantes num momento histórico em que os jovens brasileiros viviam um período de contestação aos usos e costumes, ao regime político e às regras sociais. Queriam mudanças, ainda que mescladas com um pouco de romantismo. E estes artistas atenderam plenamente ao clamor daquela geração de jovens. Mas isso não lhes dá o direito de se acharem deuses, de ditarem regras em causa própria, como se o resto do país fosse um amontoado de idiotas.

É a parcela esclarecida da opinião pública brasileira dando seu recado aos que não perceberam as mudanças: “nós somos bonzinhos, mas não somos bobos”.

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.