Nomes Japoneses: Histórias e peculiaridades dos sobrenomes japoneses

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Conheça a origem e curiosidades dos sobrenomes do Japão, considerado o país que detém o maior número, estima-se que existam mais de 100 mil

Imagens Reprodução

 

Entender, saber escrever e falar corretamente um nome ou sobrenome japonês não é uma tarefa muito simples para a maior parte dos brasileiros, e para a maioria dos descendentes de japoneses que vivem no Brasil já virou rotina ter que soletrar e ou explicar porque e como escreve seus nomes. Mas, esses mal-entendidos não são exclusividades das terras tupiniquins. Se existe dificuldade no Brasil, no Japão, a questão é ainda mais complexa.

Isso porque, segundo estimativas, existem mais de 100 mil sobrenomes na terra do sol nascente. Para efeito de comparação, a China, com quase um quinto da população mundial, tem menos de 500. E para complicar ainda mais, muitos dos sobrenomes japoneses possuem diversas formas de leitura e escrita.

Dentre os mais de 100 mil estimados, “apenas” 7 mil nomeiam mais de 90% da população atual e, consequentemente, são mais facilmente encontrados tanto no Japão, como nos países que contam com uma comunidade japonesa. Os demais sobrenomes podem ser considerados raros, até mesmo no arquipélago, alguns têm apenas uma família ou um indivíduo como representante, e outros já desapareceram.

Na lista dos mais populares, tanto no Japão quanto no Brasil, lideram o ranking: Sato, Suzuki, Takahashi, Tanaka e Watanabe (no box confira a lista dos 30 mais comuns). Você, caro leitor, provavelmente conhece alguma pessoa (ou várias) com esses sobrenomes.

E eles podem dizer muito sobre uma pessoa. A partir da escrita, leitura ou significado dos kanji é possível, em muitos casos, descobrir as origens de uma família, sua história, o local em que nasceram ou viveram, sua posição na sociedade, se seus antepassados pertenceram a uma classe mais nobre ou se eram pessoas comuns.

A origem dos sobrenomes

É difícil saber com exatidão quando os nomes e sobrenomes japoneses surgiram, contudo, segundo Victor Hugo Kebbe, coordenador do Laboratório de Estudos Japoneses da UFSCar (Universidade Federal de São Carlos), dá para saber de algumas mudanças nas dinâmicas de utilização dos sobrenomes japoneses, sempre voltados à orientação familiar. “Os nomes e a distribuição dos sobrenomes ocorrem dentro do ie, o sistema de organização familiar japonesa e que aqui no ocidente muita gente confunde com ‘clã’. O ie é derivado do uji, um sistema muito antigo patrilinear que já fazia esse tipo de organização”, explica o especialista.

O ie,como descreve Kebbe, tem um significado tangível que representa as posses de um determinado grupo de pessoas. Além disso, também tem um significado intangível, que representa uma organização social a que essas pessoas pertencem, apontando prestígio, status e classe social, ou seja, ele não é a mesma coisa que a noção ocidental de família. “Em tese, você recebe o sobrenome do seu ie (para o caso dos descendentes consanguíneos, chokkei). Os demais parentes (casos de não consanguinidade e sim afinidade, os boukei) variam os casos, tendo aqueles que assumem o nome do ie (casamentos adotivos, caso dos mukoyoshi, uma prática que chegou ao Brasil com os primeiros imigrantes), mas também tem os ‘ramos ou braços secundários’, com uma certa variação na nomeação. Todo mundo tem pai e mãe, logo, todo mundo acaba caindo em algum ie de uma forma ou de outra. A questão é que tem o iegara, o ‘status do ie’: tem gente que tá em um ie de mais prestígio que outro, se é nobre, samuraico…”, elucida.

Kebbe também revela que o ie foi fortalecido com a chegada das Reformas Taika com a influência chinesa no Período Heian, quando começa a ter os primeiros ensaios de uma organização familiar mais ampla, fixando o chefe do ie, homem, em um território. Depois de fixado no território, acontece a distribuição dos membros do ie em uma árvore genealógica (keifu). Séculos depois, o ie foi estabilizado no Período Edo enquanto uma forma de organização estatal, pois era um dispositivo antigo, mais ou menos estável, logo não causaria confusão ou problemas de implantação e, portanto, fácil para ser catalogado pelo governo do bakufu (xogunato).

“É importante notar que, até então, não existe essa coisa de associar nome e sobrenome à nossa noção moral de indivíduo moderno, dotado de agência, capacidade de escolhas como nós fazemos hoje em dia, ou seja, não podemos querer entender esses momentos dos nomes/sobrenomes e família/indivíduo com os nossos olhares de hoje em dia”, enfatiza o especialista.

Isso só acontece no Período Meiji, a partir de 1868, com a criação da Lei do Registro Civil (Koseki Ho), que faz a primeira catalogação sistemática dos indivíduos, incorporando os nomes e sobrenomes à lógica ocidental de indivíduo moderno. “Só aqui, então, que o nome e sobrenome entram na lógica que a gente conhece hoje, definindo um indivíduo X e atrelando a uma família Y, reconhecido plenamente pelo Estado japonês. Isso porque, nessa época, o Japão estava querendo se tornar uma potência moderna que pudesse fazer frente à Europa e Estados Unidos”, esclarece Kebbe. “Também vale lembrar que, apesar do ie não ser mais reconhecido oficialmente desde a Constituição de 1947, alguns ecos dessa lógica ainda persiste no Japão e entre os descendentes espalhados pelo mundo. Para ir ao Japão trabalhar como decasségui, por exemplo, a primeira coisa que se pede é o Koseki Tohon – documento com a árvore genealógica da família, com as relações de parentesco, bem como seu local de residência, casamentos e parentes que faleceram – e, bem, o Koseki, como vimos, é um reflexo de tudo isso”, afirma.

Com a modernização do País, as pessoas comuns como os agricultores, pescadores, lavradores, que até então não tinham um sobrenome tiveram que adotar um. “Para fazer essa escolha, muitos se valeram de coisas que lhe eram familiares como a região onde nasceram ou moravam; aspectos topográficos ou de paisagens da natureza como rios, montanhas, vales e arrozais; ou direções em conjunto com elementos da natureza”, explica a escritora e instrutora da Série Nomes Nikkeis, do site americano Discover Nikkei, Laura Hasegawa.

“De forma geral, podemos dizer que se o nome tiver relação com algum elemento da natureza a família descende de pessoas comuns, de famílias mais populares. Se o sobrenome tiver outros significados, tem chances da pessoa ter um ascendente nobre, como um samurai”, afirma Laura. Mas, não é tão simples assim. “Como as pessoas podiam escolher o seu sobrenome, algumas podem ter escolhido o de algum nobre, então, na verdade, a pessoa ter o sobrenome de algum samurai, não garante que ela realmente descenda dessa família”, comenta Claudio Sampei, curioso no assunto, já participou de uma comunidade no Orkut especializada em nomes e sobrenomes nikkeis e foi um dos vencedores do concurso de crônicas da Série Nomes Nikkeis. Ele também ressalta que existem sobrenomes que não têm significados específicos, já que foram escolhidos por causa da sonoridade dos kanjis.

Mesmo nome e diferentes significados

Os nomes, sobrenomes e ie japoneses são grafados em kanji e dependendo do traçado do kanji pode adquirir outro significado, ou ter o mesmo significado com kanji diferentes. Confuso? Kebbe explica que isso é efeito da própria questão do idioma: “Os ideogramas chineses chegaram ao Japão no século VI, chegando num país que já tinha um idioma local, nativo. Os nativos incorporaram as maneiras de grafar, no caso, chinesa (algo que era restrito apenas à nobreza e aos homens). Cada ideograma tem, geralmente, mais de um som, sendo algumas variações vindas da China e, somados a isso, as leituras que os japoneses nativos fizeram com seu idioma local. Por isso que cada kanji tem uma leitura chinesa e uma leitura japonesa, isso tudo interfere no próprio estabelecimento dos significados das palavras e, subsequentemente, dos nomes e sobrenomes”, detalha. Assim, um mesmo sobrenome pode ser lido de diversas formas e escrito de outras tantas formas diferentes.

Para saber qual é a forma correta de leitura e escrita do seu sobrenome é necessário fazer uma pesquisa na família, na origem do sobrenome. “A maioria dos descendentes não sabe qual é o kanji exato do seu sobrenome, e eu só sei porque tive curiosidade e fui buscar a origem do meu”, conta Sampei. “O significado do meu sobrenome é três garrafas ou recipientes. Conversando com meus familiares descobri que eles acreditam que Sampei teve origem em uma vila do Japão próxima a uma montanha que tinha o formato parecido com três garrafas, e por isso a escolha”, esclarece. Além disso, Sampei também é utilizado como nome, só que nesse caso é grafado com um kanji diferente.

Para complicar ainda mais a questão, Sampei conta que algumas famílias reinterpretam os significados dos sobrenomes, inventando significados mais poéticos e bonitos, surgindo assim, outras possibilidades. “Há casos ainda, de sobrenomes cujo kanji não é mais utilizado no Japão, só tem aqui no Brasil”, revela.

Outro ponto que também gera confusão atualmente, segundo Sampei, é em relação ao kamon, o símbolo ou brasão da família. “No Japão o Kamon era por ie, e não por sobrenome, e só tinham um kamon as famílias nobres, e poucos descendem da nobreza, logo a minoria das famílias tem algum brasão”, esclarece.

Uma difícil missão

Por ser uma questão tão complexa, até hoje muitas pessoas se preocupam com os nomes que vão dar a seus filhos, “independente se é segunda ou quinta geração de descendentes de japoneses”, relata Laura. Victor Kebbe explica que o ato da escolha do nome (envolvendo o nome e a grafia em kanji) é algo que é feito com muita reflexão pelos orientais. “Pois até hoje ainda se acredita que escolher o nome errado pode prejudicar a criança nos anos subsequentes”, revela Kebbe.

Um das preocupações dos japoneses na hora da escolha é a proporção de kanji entre nome e sobrenome, a soma nunca deve ultrapassar cinco. A quantidade de traços necessários para escrever os kanji também é levada em consideração. O número de traços indica a sorte transmitida pelos antepassados da pessoa.

Questão que Claudio Sampei sentiu na pele há alguns anos, quando teve seu primeiro filho, Naoki. “Queríamos escolher um nome que fosse fácil de pronunciar em qualquer lugar do mundo e que não fizesse nosso filho passar por nenhum tipo de constrangimento, tanto pelo significado como pela pronúncia, já que moramos no Brasil, temos família no Japão e amigos em outros países”, conta Sampei. Pesquisamos na internet, consultamos livros e enfim chegamos a Naoki. Como era japonês, até o kanji escolhemos. Também consultamos a numerologia japonesa, que dizia que o sobrenome Sampei e os ideogramas escolhidos para Naoki seriam uma combinação muito equilibrada”, detalha.

Decisão tomada, parecia que a missão tinha sido cumprida com louvor. Mas… “Quando minha esposa respondia como nosso filho ia chamar, alguns amigos da empresa comentavam: ‘Mas não era menino?’. Para alguns brasileiros Naoki soa como nome feminino, talvez pela similaridade com Naomi, então, surgiu a ideia de adotar também um nome brasileiro. Escolhemos Victor Naoki Sampei, um nome tipicamente nikkei brasileiro!”, revela.

Nem tão comum assim

Além de ter que explicar como escreve e já estar acostumado com as diferentes maneiras que seu nome e/ou sobrenome é pronunciado, a maioria dos nikkeis também já passou por alguma situação constrangedora ou engraçada que envolva os seus nomes.

Sampei conta que na época de escola recebia alguns apelidos de seus colegas, mas não se incomodava com a situação. Sua maior dificuldade mesmo era na hora de atender ao telefone. Isso porque, os parentes e amigos da família e do curso de japonês o conheciam por Mamoru – nome japonês que não é registrado oficialmente, enquanto as outras pessoas como Claudio. “Quando atendia ao telefone sempre esperava um tempo para responder quem era, tentava primeiro reconhecer a voz do outro lado da linha antes de dizer meu nome”, lembra.

O escritor Jorge Nagao, em alguns de seus artigos, relata essas situações vividas por nikkeis em todo o mundo. Como o caso de Rosa Tomeno Takada, que como Nagao, também participou do concurso de crônicas do site Discover Nikkei, e conta um fato verídico: “Houve um moço que foi parar na cadeia por desacato à autoridade. Ele simplesmente disse o nome dele em alto e bom som: Doi Bunta. Para quem só entende o português, ele afirmou que suas nádegas doíam…”.

Nagao, na crônica “Sobre Nomes Japoneses”, que participou do concurso, brinca com essa questão e faz um trocadilho com os sobrenomes japoneses: “Para descontrair, aproveito esta oportunidade Hara para brincar com nossos sobrenomes. É uma Takada arriscada, mas aí vai. A vida de nikkei não é Mori. É muito Sato ouvir piadas com nosso namae. Okada um com os seus problemas. Ishii, Oota na hora, Noda pra ficar mais. Ito indo, tomodachi. Agora Kato Miyamoto Suzuki e vou Endo. Fujii. Sayonagao!”.

 

Nomes Nikkeis

A questão dos nomes e sobrenomes é tão complexa e peculiar, que foi o tema escolhido pelo site Discover Nikkei para a Série de Crônicas Nikkeis de 2014

Há alguns anos, nomes japoneses eram comuns e serviam como um meio de identificar uma pessoa de descendência japonesa, mas na cultura nikkei atual esse pensamento não funciona. Os nomes são pessoais, de cunho sentimental e sofrem diversas influências na sua escolha.

Para explorar os significados, origens e as histórias ainda não contadas por trás dos nomes nikkeis, o site Discover Nikkei – rede internacional cujo objetivo é celebrar a diversidade cultural e onde os nikkeis se comunicam e formam laços entre si – escolheu esse tema para as Crônicas Nikkeis #3, concurso que contou com 36 histórias (26 em inglês, uma em japonês, duas em espanhol e oito em português), recebidas do Brasil, Canadá, Estados Unidos e Peru. A comunidade e o Comitê Editorial do site votaram em suas histórias favoritas e cinco foram selecionadas.

“O que mais me surpreendeu é que recebemos textos de pessoas de várias faixas etárias, e todos preservaram suas raízes”, conta a escritora e instrutora do site Laura Hasegawa. “Fiquei muito feliz de ter oito brasileiros participando do concurso, todas as crônicas são muito boas e estão disponíveis no site na íntegra para quem tiver interesse em ler”, ressalta.

Laura explica, que o Discover Nikkei, site do Japanese American National Museum – museu que conta a história da imigração japonesa nos Estados Unidos – existe desde 2005 e é editado em quatro idiomas: inglês, português, japonês e espanhol. A escritora colabora com o site desde 2001 e escreve crônicas e contos todos os meses sobre diversos assuntos.

Para conhecer mais detalhes do projeto o site é o www.discovernikkei.org.

 

Os mais comuns

Confira os 30 sobrenomes japoneses mais populares e seus significados

 

1º Sato: Sa = ajudar; To = glicínia – uma espécie de planta cujo kanji está ligado ao clã Fujiwara;

2º Suzuki: Suzu = guizo; Ki = árvore, madeira – Árvore de sinos;
3º Takahashi: Taka = alto; Hashi = ponte – Ponte alta;
4º Tanaka: Ta = arrozal, plantação; Naka = dentro, centro, meio – Meio do arrozal;
5º Watanabe: Wata = atravessar, cruzar; Be = beira, borda – Atravessar pela beira;
6º Ito: I = deriva de Ise, cidade de Mie; To = glicínia;
7º Yamamoto: Yama = montanha, monte; Moto = pé, base – Base da montanha;
8º Nakamura: Naka = dentro, centro; Mura = povoado, aldeia – Meio da aldeia/Aldeia central
9º Kobayashi: Ko = pequeno; Bayashi = arvoredo, bosque – Bosque pequeno;
10º Saito: Sai = afetuoso; To = glicínia;
11º Kato: Ka = incluir, acrescentar (Kaga – nome antigo da atual região da província de Ishikawa); To = glicínia;
12º Yoshida: Yoshi = boa sorte, feliz, auspicioso; Da = plantação – Plantação auspiciosa;
13º Yamada: Yama = montanha, monte; Da = arrozal – Arrozal da montanha;
14º Sasaki: Sa = ajudar; Sa = indica repetição do ideograma que o antecede; Ki = árvore, madeira – Árvore de apoio;
15º Yamaguchi: Yama = monte, montanha; Guchi = abertura – Abertura para a montanha;
16º Matsumoto: Matsu = pinheiro; Moto = base, pé, princípio – Base do pinheiro;
17º Inoue: I = poço; Ue = sobre, em cima – Em cima do poço;
18º Kimura: Ki = árvore, madeira; Mura = povoado, aldeia – Povoado com árvores;
19º Hayashi: Hayashi = bosque;
20º Shimizu: Shi = puro; Mizu = água – Água pura;
21º Yamazaki: Yama = monte, montanha; Zaki = cabo, ponta – Extremidade da montanha;
22º Nakajima: Naka = centro, dentro; Jima = ilha – Ilha central;
23º Ikeda:Ike = lago; Da = arrozal, plantação –  Plantação com lago;
24º Abe: A = Lisonjear, agradar; Be = dividir, departamento, setor, grupo – Grupo agradável;
25º Hashimoto: Hashi = ponte; Moto = base, princípio – Base da ponte;
26º Yamashita: Yama = montanha, monte; Shita = embaixo, parte inferior – Parte de baixo da montanha;
27º Mori: Mori = bosque;
28º Ishikawa: Ishi = pedra; Kawa = rio – Rio pedregoso;
29º Maeda: Mae = frente; Da = arrozal, plantação – Arrozal da frente / De frente ao arrozal;
30º Ogawa: O = pequeno; Gawa = rio – Rio pequeno.

 

Os mais populares de Okinawa

O especialista em cultura okinawana, Shinji Yonamine, listou os sobrenomes mais comuns nas cidades e distritos de Okinawa