A arte marcial tradicional de Okinawa estará nos próximos Jogos Olímpicos e a Mundo Ok traz um panorama dessa modalidade no Brasil, com relatos de importantes senseis da atualidade

 

Texto: Tamires Alês / Fotos: Daniel Yonamine e Divulgação

 

No mês que celebra o Dia Mundial do Karatê, comemorado em todo o mundo no dia 25 de outubro, a Revista Mundo Ok traz um especial sobre essa arte marcial tradicional da província de Okinawa, que em 2020 integrará os Jogos Olímpicos de Tóquio. Nas próximas páginas, você, caro leitor, entenderá a importância da participação da modalidade nas Olimpíadas, conhecerá a história de grandes mestres karatecas, que construíram um legado de ensinamentos e conquistas dentro e fora do Brasil, a origem e desenvolvimento da arte marcial ao longo das décadas, sua presença no Brasil e seus principais estilos. Vem com a gente nessa breve imersão na arte “das mãos vazias”, que segundo dados da Federação Mundial de Karatê reúne mais de 100 milhões de praticantes em todo o mundo.

 

O karatê é uma arte marcial que faz o mais eficaz uso de todas as partes do corpo para fins de autodefesa, sem a utilização de armas para atacar ou defender. Por meio da árdua prática e treinamento e rigorosa disciplina, o karatê desenvolve não só o corpo, mas também a mente e o caráter.

 

Após muito trabalho e torcida, a arte marcial foi, finalmente, incluída pela primeira vez nos Jogos Olímpicos. Uma alegria para os praticantes de todo o mundo. “Foi muito importante o karatê ter se tornado olímpico, porque ganhamos mais visibilidade, valorização e patrocínios. Além disso, todo atleta, independentemente do esporte, tem o sonho de estar nas Olimpíadas”, ressalta a karateca Nicole Yonamine Mota, de 23 anos, uma das atletas brasileiras que está em busca de uma vaga para os Jogos. Nicole é atleta da Seleção Brasileira de Karatê e líder do ranking nacional há cinco anos.

 

O karatê será dividido em quatro categorias diferentes. No kumite (a luta em si), serão três categorias: no masculino haverá as categorias –67kg, –75kg, e +75kg; no feminino, serão –55kg, –61kg, e +61kg. E também  haverá a competição no kata (a simulação de um combate). A maior dificuldade é que cada categoria irá classificar apenas 10 atletas de todo o mundo e cada país poderá ter apenas um lutador por categoria.

 

“Estou competindo as Etapas do circuito Mundial, as quais pontuam para o Ranking Olímpico, mas só encerra em abril de 2020. Até lá terei que continuar disputando e pontuando”, explica Nicole, que tenta uma vaga no kata.

 

Estudando Direito, Nicole começou a praticar a arte marcial com apenas três anos, influenciada pelos pais e por toda a família materna, todos karatecas. A mãe, sensei Simone Hatsumi Yonamine é ex-atleta e atual técnica da Seleção Brasileira e o pai, é o sensei Paulo Mota, 7º Dan da Hayashi-Ha Shito-ryu, que também já foi técnico da Seleção.

 

Aos 12 anos, Nicole já era atleta da Seleção Brasileira e de lá para cá colecionou vários títulos: foi sete vezes campeã sul-americana, campeã pan-americana, além dos diversos títulos nacionais. Com uma rotina intensa de treinos, a karateca treina de segunda-feira a sábado, de manhã, à tarde e à noite, e está confiante pela classificação nas Olimpíadas: “Minhas expectativas são positivas. A cada etapa que eu participo consigo subir um pouco mais no ranking. Acredito que estou em um crescente e espero permanecer assim”, completa a jovem.

 

Outros karatecas brasileiros também estão tentando a sua vaga dos sonhos nos Jogos, como Valéria Kumizaki (kumite, –55kg), Vinícius Figueira e Douglas Brose (kumite, –67kg).

 

Um pouco de história

 

Criado nas Ilhas de Ryukyu, atual província de Okinawa, no Japão, o karatê se desenvolveu a partir das artes marciais indígenas das Ilhas, sob a influência de artes marciais chinesas. “Conhecido como ‘Te’, só ganhou o nome de karatê quando foi levado ao Japão, no início do século XX”, explica o sensei Akira Saito, 6º Dan, filiado a International Karate-do Goju-Kai Association – IKGA. Praticante do karatê desde os 8 anos, Saito passou anos no Japão treinando com o seu mestre Konomoto Takashi (Hanshi-Shihan 9º Dan) e  ao longo da vida na modalidade conquistou diversos títulos estaduais, nacionais e sul-americanos, além de importantes conquistas, como o campeonato Mundial de 2013 na modalidade Bunkai-Kumite-Kata, e o Pan-Americano, em 2016, no Chile.

 

“Na década de 1920, convidado pelo então Príncipe Herdeiro Hirohito, o sensei Gichin Funakoshi realizou diversas demonstrações da arte okinawana no Japão, sendo considerado um dos principais responsáveis por divulgar a arte marcial para o povo japonês”, ressalta Saito.

 

A nova arte foi muito bem recebida pelos japoneses e logo foi introduzida em várias universidades do Japão, onde criou raízes e começou a florescer. Já nas décadas de 1960 e 1970, impulsionado pelos filmes de artes marciais da época, o karatê passou a se popularizar em todo o mundo, com a inauguração de escolas em diversos países, que atendiam não só pessoas com interesse casual na modalidade, mas também os que procuravam um estudo mais aprofundado da arte.

 

Karatê no Brasil

 

A arte marcial desembarcou em terras brasileiras junto com os primeiros imigrantes japoneses, em 1908, mas durante décadas foi ensinada de maneira informal pelos professores vindos do Japão, entre eles o sensei Shikan Akamine, que ensinava a arte aos jovens nipônicos e aos poucos brasileiros que se interessavam.

 

“Isso só começou a mudar anos depois da imigração, em 1956, quando o sensei Mitsusuke Harada inaugurou a primeira academia do Brasil, situada na rua Quintino Bocaiúva, no centro de São Paulo”, explica Flávio Vicente de Souza, sensei 7º Dan de Okinawa Shorin-Ryu Karate-Do Jyureikan, discípulo direto do Mestre Yoshihide Shinzato. No karatê desde os 10 anos, Flávio já participou de campeonatos, seminários e treinamentos em vários países do mundo. Desde os 18 anos ministra aulas de karatê e atualmente é um dos professores da Associação Okinawa Kenjin do Brasil.

 

Em seguida, em 1960, “o sensei Akamine fundou a Associação Brasileira de Karatê – ABK, na capital paulista. Meu pai, o sensei Mario Nakati (Kyoshi 7º Dan), teve aulas com o Akamine sensei desde 1960 até quando ele parou de ministrar aulas”,  lembra Aurora Kyoko Nakati, karateca 3º Dan.

 

Seguindo o exemplo, outros mestres de karatê também começaram a fundar suas academias pelo país, como Juichi Sagara e Okuda, em São Paulo; Yasutaka Tanaka e Sadamu Uriu, no Rio de Janeiro, Higashino, em Brasília, Eisuku Oishina, na Bahia. A partir daí, o karatê começa a crescer no país e a ganhar cada vez mais praticantes.

 

“Em 1978, meu pai começou a ministrar aula na Associação Okinawa de Santa Clara e em outros espaços. Nós moramos no Japão e ele viajou várias vezes para Okinawa para se aperfeiçoar e pesquisar sobre a arte marcial, até que em 2000 inaugurou sua própria academia, que após seu falecimento é tocada pelo meu irmão, sensei  Luís Carlos Nakati, 6º Dan”, conta Aurora.

 

De lá para cá, o karatê se espalhou pelo país. Atualmente, o Brasil reúne centenas de academias especializadas na arte, em várias regiões do país e nos mais diversos estilos da arte marcial, mestres de destaque dentro e fora do país e atletas que fazem bonito nas competições. “No Brasil, o estilo mais popular é o Shotokan, mas temos muitos praticantes também de outros estilos como Goju-ryu e Shorin-ryu”, ressalta o sensei Flávio Vicente.  Para ele, muito além da competição, a finalidade do karatê é educativa. “O karatê é como uma filosofia de vida, ensina a ter disciplina, respeito e humildade e a superar obstáculos”, exalta.

 

Família de karatecas

 

Nascido em Okinawa, em 1941, Yasunori Yonamine começou a treinar karatê aos 13 anos com seus amigos. Em 1961, juntamente com a sua família, desembarca no Brasil. Em 1968 já começa a ministrar a arte marcial na Associação Okinawa de Vila Carrão e em 1983 inaugura o seu Dojo na Vila Carrão, zona leste de São Paulo, onde permanece até hoje.

 

Discípulo direto de Meitoku Yagui – grande mestre e um dos principais divulgadores do estilo Goju-Ryu –, sensei Yonamine viajou 36 vezes para Okinawa para aperfeiçoar a sua técnica e absorver conhecimentos de seu mestre. Com treinamentos diários, só no makiwara (espécie de tábua de madeira utilizada como instrumento de treino no karatê) são cerca de 300 socos todos os dias, sensei Yonamine construiu uma história de sucesso e pioneirismo no karatê.

 

“Fui o primeiro árbitro da América do Sul a ser credenciado pela World Karate Federation – WKF, nas duas modalidades, kata e kumite, e único professor do continente americano a ser convidado pelo governo japonês para realizar demonstrações e ministrar palestras nos principais eventos da modalidade em Okinawa”, enaltece. Em 2010, foi consagrado com o 10º Dan, o mais alto grau do karatê, alcançado por poucos mestres no Brasil, além de receber o título de cidadão paulistano.

 

E a dedicação ao karatê se espalhou também à família. Casado com Helena Yonamine, o sensei teve cinco filhos, Hatsumi, Yumi, Naomi, Yuka e Kunihiko, todos formaram-se faixas pretas e fizeram parte da Seleção Brasileira por muitos anos, conquistando vários títulos estaduais, nacionais e internacionais. Os netos, também foram contagiados pela magia da arte marcial. Nicole é líder do ranking nacional e está em busca de uma vaga olímpica, e o irmão, Victor, conquistou a medalha de bronze, por equipe, nos Jogos Pan-Americanos de Lima, em agosto.

 

“Todos os filhos praticaram desde pequeno. Não tinha muita escolha, era algo natural, meu pai ia dar aulas e levava todos os filhos para treinar com ele”, lembra Cintia Yumi Yonamine. Karateca 7º Dan, é ex-técnica da Seleção Paulista de Karatê, atual coordenadora da modalidade na Secretaria de Esportes de Santo André e técnica da Equipe feminina e masculina da cidade.

 

“Eu, a Hatsumi e a Yumi participamos de muitos torneios em equipe, éramos o único trio de irmãs competindo, a gente treinava muito e se apresentava bem parecidas. Era uma competição seguida da outra, um ano mundial, no outro pan-americano, no outro sul-americano. Conquistamos vários títulos internacionais”, recorda Yuka Yonamine Saito, que atualmente ministra aulas de karatê no Dojo da família, em condomínios e no Colégio Oshiman.

 

Além da família, sensei Yonamine iniciou milhares de pessoas na arte marcial e ministrou aulas em várias partes do mundo: “Em todo o Brasil, Chile, Portugal, Argentina, Suriname, Canadá, Romênia e nos Estados Unidos”, conta. “Ao todo, formei mais de 500 alunos faixa preta dentro e fora do Brasil, muitos deles campeões estaduais, nacionais e mundiais”, ressalta. Além da técnica e ensinamentos práticos, o sensei sempre fez questão de passar a filosofia e os valores do karatê para seus alunos: “Tenho muito orgulho deles, todos se tornaram pessoas bem-sucedidas e vitoriosas em suas vidas”, completa.

 

E a missão no karatê ainda não acabou. Até hoje, aos 78 anos, o sensei Yonamine continua ministrando aulas em seu Dojo. “Todas as quartas e quintas-feiras para karatecas a partir dos seis anos, do iniciante ao avançado”, finaliza o mestre.

 

Estilos de Karatê

 

Confira as diferenças e mais detalhes dos principais estilos dessa arte marcial

 

Originalmente, em Okinawa, havia três principais núcleos de “Te” (mãos), localizados nas cidades de Shuri, Tomari e Naha. Os estilos eram conhecidos pelos nomes dessas regiões: Shuri-te (mão do sul), sistema de luta que valorizava a velocidade; Naha-te (mão do norte), que dava ênfase à força; e Tomari-te (mão do centro), uma fusão entre os dois estilos.

 

“Os estilos de karatê que conhecemos hoje em dia derivaram desses três estilos originais”, explica Akira Saito. Segundo o sensei, atualmente, existem dezenas de estilos. “Não sei dizer ao certo o número, mas têm os estilos mais difundidos e praticados ao redor do mundo como o Goju-Ryu, Shito-Ryu, Shorin-Ryu, Shotokan e Wado-Ryu”, conta. Conheça as principais características de cada um a seguir:

 

* Goju-Ryu: Estilo criado pelo mestre Chojun Miyagi e apresentado ao mundo pelo seu discípulo Meitoku Yagui, o Goju-Ryu conjuga técnicas rígidas com formas suaves. Nesse estilo, os karatecas aprendem a agir com energia e calma, rapidez e suavidade, além de ter um trabalho profundo de respiração.

 

* Shito-Ryu: É a combinação das características do estilo mais suave circular do Shuri-te, de Anko Itosu, com o estilo duro e linear do Naha-te, de Kanryo Higaonna. O Shito-Ryu se distingue dos demais pelo grande número de Kata, pela suavidade e versatilidade das técnicas de combate e pela inclusão de técnicas de solo.

 

* Shorin-Ryu: É um estilo que combina técnicas marciais provenientes da China com elementos advindos de estilos de luta tradicionais de Okinawa. Shorin é a pronúncia okinawana da palavra Shaolin –  monastério budista chinês que significa pequeno bosque. A linhagem original do Shorin-Ryu inicia-se com Choshin Chibana, seguido por Katsuya Miyahira e mais tarde Yoshihide Shinzato.

 

* Shotokan: Ideal para longa distância, por ser uma técnica longa e ao mesmo tempo rápida, o Shotokan foi criado por Gichin Funakoshi. O estilo caracteriza-se por bases fortes e golpes no corpo inteiro. Os giros sobre o calcanhar em posição baixa dão fluidez ao deslocamento e todo o movimento começa com uma defesa.

 

* Wado-Ryu: Criado pelo mestre Hironori Otsuka, o estilo Wado-Ryu (“Caminho da Paz”) se diferencia dos demais estilos por usar o mínimo de esforço e pela utilização de técnicas de esquiva, projeção, movimentação e troca de guarda, e bases mais altas.

 

 

Box 2:

 

Onde Praticar

 RYUBUKAI – Okinawa Karate-Do Goju-Ryu Bujitsu Kyokai

Mestre Yasunori Yonamine

Rua Zambeze, 136 – Vila Carrão

Tel.: 2941-7753 / 2941-0319

 

 

Saito Academy

Sensei Akira Saito

Rua Frei Gaspar, 609 – 1º andar – Centro, São Bernardo do Campo

Tel.: (11) 94160-7309

 

 

 

Associação Okinawa Kenjin do Brasil

Sensei Flávio Vicente

Rua Dr. Tomaz de Lima, 72 – Liberdade

Tel.: 11. 3106-8823

 

 

Okinawa Shorin-Ryu Karatê-Dô Kobudô Shobu-kan do Brasil

Sensei Luís Carlos Itiro Nakati

Avenida Sapopemba, 1769 – Alto da Mooca

Tel.: 11. 98152-5130

E-mail: okinawa.shobukan@gmail.com