110 Anos: Com festa e legado para o futuro, comunidade celebra mais uma década da imigração japonesa no Brasil

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Texto: Tamires Alês

Após uma grande festa realizada na comemoração do centenário da imigração japonesa no Brasil, em 2008, a comunidade nipo-brasileira volta a se reunir para celebrar os 110 anos da presença dos japoneses em terras brasileiras, um povo que ajudou a construir o Brasil e que a cada dia encanta a todos com sua cultura e tradições milenares e gastronomia riquíssima.

Os primeiros imigrantes japoneses desembarcaram no Brasil no dia 18 de junho de 1908, no porto de Santos. Do navio Kasato Maru, os 781 japoneses partiram para as fazendas de café espalhadas por várias regiões do país. Cento e dez anos depois, o Brasil tem a maior população de origem japonesa fora do Japão, são 1,9 milhão de japoneses e descendentes que vivem em terras brasileiras, principalmente, no estado de São Paulo.E para celebrar esse marco histórico, planejar, organizar e viabilizar os projetos comemorativos, a Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, Federação das Associações de Províncias do Japão no Brasil – Kenren, Beneficência Nipo-Brasileira de São Paulo – Enkyo, Câmara de Comércio e Indústria Japonesa do Brasil e Aliança Cultural Brasil-Japão constituíram a Comissão Comemorativa dos 110 Anos da Imigração Japonesa no Brasil.

Por todo o país, ao longo de todo o ano, centenas de eventos serão realizados em alusão aos 110 anos da imigração. “Serão mais de 400 eventos em todo o Brasil. Uma bela forma de homenagear os pioneiros que construíram essa comunidade tão grande e tão forte no Brasil”, explica o presidente do comitê executivo da comissão para comemoração dos 110 anos da imigração japonesa no Brasil, Yoshiharu Kikuchi.

A cerimônia oficial comemorativa será realizada no dia 21 de julho de 2018, juntamente com o Festival do Japão, evento em seu gênero considerado o maior da América Latina, realizado no São Paulo Exhibition & Convention Center. A solenidade reunirá autoridades representativas do Brasil e do Japão, como a princesa Mako, que irá representar a família imperial japonesa, além de um grande show artístico.

“Outro evento de grande importância é a comemoração dos 100 anos de imigração da colônia japonesa de Promissão, a primeira colônia autônoma japonesa no Brasil, que também contará com a visita da princesa Mako”, ressalta Kikuchi.

A celebração

Seguindo suas raízes de sempre atuar de forma coletiva, nas comemorações dos 110 anos isso se mantém, e a celebração oficial da data vai contar com um grande show artístico, que reunirá mais de 2000 artistas, sob a tutela do professor de dança japonesa Satoru Saito, que já afirmou que seu objetivo com a apresentação é “despertar sentimentos”.

O espetáculo será dividido em duas partes, antes e depois da cerimônia oficial, marcada para às 11h. A primeira parte, batizada de “Yui” (Elos), acontece às 10h, e a segunda, após a solenidade, se chamará “Zui” (Celebração).

A ideia de Saito é, com a primeira parte, fortalecer os elos de uma forma abrangente. Estabelecendo a ligação entre as gerações, entre os jovens e os idosos, entre o Brasil e o Japão, enfim, conectando todos os elos. Serão cinco apresentações reunindo diferentes grupos e modalidades artísticas.

Terminada a solenidade oficial, recomeça o show, agora com o tema “Zui”. A primeira apresentação será com o “Kizuna Kenka” (Kizuna, laços, e Kenka, briga/desafio) reunindo cerca de 200 participantes para uma performance sonora unindo shamisen (instrumento japonês semelhante ao banjo, de três cordas) e wadaiko (tambor japonês).

O espetáculo será finalizado com o tradicional e popular Bon Odori, com a música “Gorin Ondo – 2020”, alusiva às Olimpíadas de Tóquio, em 2020. Para esse grande final, será confeccionado um happi comemorativo aos 110 anos. “Enfim, será um espetáculo muito bonito, muito caprichado, que com certeza vai emocionar todos os presentes”, adianta Kikuchi.

Serão cerca de 5 mil convidados para assistir essa grande festa. “Os convites estão sendo distribuídos via entidades da comunidade nipo-brasileira. Mas, quem não tiver convite não precisa se preocupar, vamos colocar telões ao lado de fora da arena e com isso, quem estiver visitando o Festival do Japão também poderá acompanhar a celebração”, revelou Kikuchi.

Homenagem religiosa

Além da grande festa que será realizada junto ao Festival do Japão, a comunidade celebra a data também no mês de junho com as tradicionais cerimônias religiosas em memória dos imigrantes pioneiros.

No domingo, dia 17 de junho, às 8h30, japoneses e descendentes dirigem suas preces aos entes queridos no Memorial em Homenagem aos Imigrantes Pioneiros Falecidos – Ireihi, localizado no Parque do Ibirapuera, próximo ao Pavilhão Japonês, na rua Arigatô, ao lado do Planetário. Às 10h30 é a vez da Sociedade Brasileira de Cultura Japonesa e de Assistência Social – Bunkyo, realizar o Culto Budista em Memória dos Imigrantes Japoneses, em que os presentes terão a oportunidade de fazer uma oferenda de incenso e cantar a música tema dos 110 anos “Arigatô Brasil”, composta pelo cantor Joe Hirata. A organização espera receber cerca de 1000 pessoas na celebração do Bunkyo.

Já na segunda-feira, dia 18 de junho, às 9h, os católicos se reúnem no centro de São Paulo, na Igreja São Gonçalo (atrás da Catedral da Sé, na praça João Mendes) para a Missa em Ação de Graças à Memória dos Imigrantes Japoneses Precursores. A missa é celebrada em japonês e português.  

O legado dos 110 anos  

Além de todos os eventos comemorativos, a comissão organizadora também deseja deixar um legado dessa celebração que, nas próximas décadas, seja uma referência às novas gerações de nipo-brasileiros.

Construção de um pavilhão no Kokushikan. A vista da fachada frontal e, ao fundo, um campo aberto para eventos.Nesse sentido, escolheram promover melhorias nas instalações do Centro Esportivo Kokushikan Daigaku, em São Roque (SP) – doado a comunidade pela Universidade Kokushikan do Japão, em 1997, e administrado, desde então, pelo Bunkyo – por meio de captação de recursos dirigidos para viabilizar o projeto de sustentabilidade do Centro, criado pelo arquiteto Eiji Hayakawa.

A ideia é construir instalações para pequenos, médios ou grandes eventos, bem como a implantação de uma Vila Gastronômica, praças e trilhas para valorizar a extensa mata nativa local. Criando, assim, alternativas que possam ser usufruídas tanto pela comunidade nikkei, quanto pela sociedade brasileira em geral.

“Temos que tentar ao máximo conservar os nossos costumes e cultura, por isso o projeto de deixar um legado no Kokushikan, que vai existir por muitos e muitos anos, para manter viva as nossas tradições, fortalecendo o intercâmbio e a amizade entre o Brasil e o Japão”, enaltece Kikuchi. “A pedra fundamental do projeto será lançada no dia 07 de julho, no Kokuchikan, e a previsão é que a primeira parte do projeto já esteja concluída no final de 2018”, completa.   

“Para colaborar com os custos da celebração oficial e com a construção do projeto do Kokushikan, estamos realizando o segundo sorteio filantrópico, em que o principal prêmio é um Honda Civic Touring CVT. Quem quiser colaborar é só adquirir um número (R$ 35,00) aqui no Bunkyo e em outras entidades que também estão colaborando. O sorteio é pela loteria federal”, finaliza Kikuchi.

Para se manter informado de todos os eventos que serão realizados ao longo do ano em alusão aos 110 anos da imigração japonesa ou obter mais informações sobre as comemorações acesse a rede social oficial da celebração: facebook.com/110anos.

 

Um olhar para o futuro pelo prisma dos jovens da comunidade

Celebrando as conquistas do passando e pensando no futuro da comunidade, para além dos 110 anos, a Revista Mundo Ok resolveu conversar com as principais entidades que reúnem os jovens da comunidade nipo-brasileira para falar de suas visões sobre os novos caminhos a seguir e como eles podem ser protagonistas desse futuro.

Membros da Asebex que organizaram o Natsu Matsuri 2018

Com vocês, os jovens: Patrícia Murakami, 33 anos, presidente da JCI (Câmara Júnior Internacional) Brasil-Japão; Felipe Takashi Rio Hokama, 30, presidente da Associação Brasileira de Ex-Bolsistas no Japão – Asebex; Lidiane Yoshie Aoki, 27, líder do Seinen Bunkyo, grupo de jovens do Bunkyo; e Ana Beatriz Kotinda Yamaji, 15 anos, integrante da Academia do Futuro – projeto voltado a formação de jovens de 12 a 18 anos do Nippon Country Club. Confira o bate-papo!

Mundo Ok: Como vocês veem a comunidade no futuro? Daqui 30, 50, 100 anos?

Patrícia: A nossa vida muda muito depressa. Temos muitos avanços tecnológicos, científicos, que influenciam sobremaneira o mundo em que vivemos. No entanto, se eu fosse apostar, em 30 anos, diria que a comunidade terá um outro nível de autoentendimento e compreensão. Acredito que a união, as atividades, a quantidade de associações em funcionamento, por exemplo, no futuro, vão depender muito das ações que forem tomadas hoje! Pensar no futuro, planejar e agir só depende de nós!

Felipe: Eu vejo como uma comunidade muito rica em história e valores, agregando as melhores partes para o desenvolvimento de uma sociedade melhor.

Lidiane: A comunidade está em constante adaptação ao meio onde está inserida e as pessoas que fazem parte dela, e se considerar o rumo que a comunidade tem seguido, eu vejo que daqui algumas décadas a tendência é que esteja muito mais forte do que está hoje, agregando maior valor a sociedade brasileira como um todo e contando com o apoio do governo japonês para continuar difundindo a cultura e principalmente os valores japoneses.

Ana Beatriz: Acredito que é possível que a comunidade se torne ainda mais unida, ainda celebrando eventos tradicionais, que têm grande importância para a manutenção da cultura japonesa cultivada no Brasil.

Mundo Ok: E qual a importância das entidades jovens e dos jovens para esse futuro?

Patrícia: Sem os jovens participativos e com orientação para continuidade, não há comunidade que sobreviva. O engajamento de jovens é a chave, é o futuro e deveria ser trabalhado com mais cuidado.

Felipe: Caberá a nós, jovens, transmitir esses valores às gerações futuras e para a sociedade brasileira, adequando esses conhecimentos a um povo tão diversificado que é o brasileiro.

Lidiane: Para a manutenção e preservação da comunidade nikkei e cultura japonesa é essencial a presença dos jovens, que compõem o ciclo de renovação de gerações, afinal, os jovens de hoje serão os mentores dos jovens de amanhã. As entidades jovens são cruciais, pois são o berço, o início do desenvolvimento das futuras lideranças da comunidade, é onde os valores, como espírito de coletividade são colocados em prática e o jovem sente o quão importante é a sua atuação e os benefícios que podem trazer para a sociedade e para as futuras gerações.

Ana Beatriz: É importante manter os grupos de jovens nipo-descendentes, pois assim haverá pessoas que herdarão a cultura e a manterão viva, por meio de eventos e tradições. Isso é necessário para que todo o legado dos imigrantes e todas as tradições não caiam no esquecimento, já que as novas gerações tendem a crescer com uma menor influência japonesa na vida.

Mundo Ok: O que fazer, então, para que os jovens sejam mais participativos na comunidade?

Patrícia: Mencionaria em primeiro lugar o empoderamento, para que jovens se sintam mais “livres” para criar e contribuir da forma como podem ou conforme sua disponibilidade. Em segundo lugar, acredito que a orientação dada por parte dos mais experimentes (mentoring) ajuda no desenvolvimento e formação de jovens. E, em terceiro lugar, o primordial: propósito compartilhado. Assim como uma organização, a comunidade precisa ter um propósito.

Felipe: Ter mais espaço para que o jovem adeque os ensinamentos japoneses na sociedade tecnológica e globalizada que temos hoje. Dando mais voz ativa aos jovens, eles perceberão que possuem o poder de mudança.

Lidiane: Falta divulgar melhor os trabalhos das entidades e pessoas atuantes na comunidade. Normalmente, a divulgação dos trabalhos realizados pelas entidades nikkeis ocorre nos meios de comunicação que atingem, não exclusivamente, mas maioritariamente as pessoas e jovens que já atuam na comunidade e não aqueles que estão a margem, e poderiam contribuir muito se a informação chegasse até eles.

Ana Beatriz: Acredito que os jovens precisam conhecer mais a história dos seus antepassados e da construção da comunidade nipo-brasileira para que eles entendam a importância deles na continuidade dessa semente plantada pelos imigrantes

Mundo Ok: Na opinião de vocês, como as entidades nas quais atuam podem colaborar com essa participação mais ativa dos jovens?

Patrícia: A JCI é formada por jovens de 18 a 40 anos, que têm como missão “proporcionar oportunidades de desenvolvimento que preparem os jovens a criar mudanças positivas”. Além dos jovens, temos uma comissão Sênior muito estruturada, que não interfere na gestão das nossas atividades e projetos, pelo contrário, nos encorajam a assumirmos responsabilidade e nos permitem acertar e errar. Eles estão sempre lá por nós, seja para celebrarmos juntos, seja para orientar, são nossos grandes amigos. Acho que a JCI poderia compartilhar este modelo de estrutura organizacional, que pode funcionar e fortalecer as outras associações também.

Felipe: Fazendo a ponte entre as associações e entidades japonesas com os jovens, e auxiliando na capacitação deles com uma bolsa de estudos no Japão para assim haver o resgate da cultura e identidade própria.

Lidiane: Jovens atraem jovens, e os trabalhos que o Seinen Bunkyo realiza e são divulgados estão sempre visando despertar interesse em outros jovens para que vejam o quão importante é a presença deles e que é possível fazer a diferença de forma positiva atuando na comunidade. E os jovens membros do Seinen Bunkyo de hoje serão os futuros senpais dos jovens de amanhã, que irão orientar e acompanhar os novos participantes do grupo, e isso é de extrema importância para que os jovens sintam que contam com o apoio e compreensão dos mais velhos que já passaram pelos caminhos que eles ainda irão percorrer.

Ana Beatriz: A Academia do Futuro não só visa o desenvolvimento de jovens mais responsáveis e proativos na sociedade, como também promove maior participação dos jovens na comunidade nikkei, por meio da colaboração e organização nos eventos típicos, mantendo-os sempre em contato com a cultura e as tradições japonesas.