Direito ao esquecimento na Internet

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Antes da chegada dos computadores, a lembrança dos acontecimentos estava limitada a memória do ser humano e pelo registro de jornais, revistas, livros e filmes. Na era digital, o fato registrado na memória de um computador pode ser eternamente armazenado e rapidamente acessado por qualquer pessoa por um motor de buscas. A internet contém uma memória onipresente de conteúdo inesgotável.

Um caso emblemático sobre o direito de ser esquecido na internet ocorreu na Espanha e curiosamente o autor ficou conhecido mundialmente, apesar da sua intenção de retornar ao anonimato. Mario Gonzalez era um empresário que, em 1998, teve noticiado o leilão de seu imóvel em razão de dívida previdenciária. Mesmo tendo quitado a dívida e encerrado o processo, a notícia da insolvência ainda permanecia na internet, o que lhe trazia dificuldades para atuar como empresário. Em 2012, propôs uma ação contra Google Spain e Google Inc para ter desindexada a matéria a seu respeito. O Tribunal de Justiça da União Europeia, fundamentado no direito a proteção de dados, reconheceu o direito do autor e determinou a desindexação das páginas nos sites de buscas.

O leading case brasileiro no STF Aída Curi – ainda está pendente de julgamento. Os familiares da jovem estuprada e assassinada em 1958, requereram o direito de esquecimento e indenização por danos morais pelo uso de imagens, sem autorização, no programa “Linha Direita” da TV Globo transmitido após 50 anos do ocorrido. O Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro, órgão de segunda instância, não reconheceu o direito ao esquecimento da família sob o fundamento de que os fatos eram de conhecimento público e amplamente divulgado pela imprensa, dando prevalência ao direito de informação em detrimento ao interesse particular de “ser esquecido”. No entanto, o caso ainda não está definitivamente solucionado porque o STF deverá se pronunciar sobre o tema. Já no STJ, a partir de 2018, houve reconhecimento da responsabilidade dos provedores de pesquisa (sites de busca) sobre pedido de desindexação de links atrelados a notícias que possam violar os direitos da personalidade por tempo desarrazoado. No caso concreto uma promotora de justiça foi inocentada de uma acusação sobre fraude no concurso da magistratura, mas a notícia ainda permanecia na internet sem atualização da sua inocência, prejudicando sua imagem pelo fato de ocupar outro cargo público. Os provedores de pesquisa Google, Yahoo e Microsoft foram obrigados a implantar filtros de conteúdo que desvinculasse o nome da autora das notícias sobre fraude.

Do ponto de vista técnico os provedores de pesquisa não podem ficar imunes a responsabilidade sob alegação de serem considerados meros intermediários entre o usuário e o provedor de conteúdo, na medida em que os algoritmos utilizados processam os dados para organizar o modo de exibição em ordem de aparição nas páginas.

O dilema do direito ao esquecimento é o conflito entre o armazenamento eterno de um fato antigo (sem atualizações) e as consequências futuras para a vida do indivíduo. É preciso balancear as particularidades de cada caso concreto a relevância do fato histórico armazenado (liberdade de informação e de expressão) e as consequências danosas para os indivíduos envolvidos de forma descontextualizada da vida atual. “Não se trata de efetivamente apagar o passado, mas de permitir que a pessoa envolvida siga sua vida com razoável anonimato, não sendo o fato desabonador corriqueiramente rememorado e perenizado por sistemas de buscas automatizadas de busca” (Ministro Marco Aurélio Bellizze).

O direito ao esquecimento é fundamentado pelo princípio constitucional da intimidade, vida privada, honra e a dignidade. Em 2013, em reforço aos argumentos já existentes, foi editada o enunciado 531 da Jornada de Direito Civil da Justiça Federal que dispõe “A tutela da dignidade da pessoa humana na sociedade da informação inclui o direito ao esquecimento”.

Por fim, vale mencionar que o Marco Civil da Internet (Art. 7º, X) prevê a possibilidade do titular requerer a exclusão de dados pessoais fornecidos em uma determinada aplicação de internet após o encerramento da relação contratual, ou seja, é direcionada para situações consensuais de fornecimento de informações. E, finalmente, a Lei Geral de Proteção de Dados (Art. 5º, III e XI, e 18), que entrará em vigor em agosto de 2020, faz referência ao direito ao esquecimento sob o ponto de vista da anonimização, bloqueio e exclusão de dados pessoais.