No dia 1º de maio teve início uma nova era no Japão. Para entender melhor as mudanças que esse fato traz para o país e para o povo japonês, a Mundo Ok conversou com especialistas na história e cultura japonesas. Confira!

 Texto: Tamires Alês

Após a cerimônia de abdicação do imperador Akihito, realizada no dia 30 de abril, no Palácio Imperial de Tóquio, seguida por outras celebrações e cerimoniais, teve fim a Era Heisei no Japão. No dia 1º de maio, os japoneses, cerca de 2 milhões de nipo-brasileiros e centenas de milhões de descendentes espalhados pelo mundo comemoraram a ascensão do príncipe Naruhito ao Trono do Crisântemo e a chegada de uma nova era no país: a Reiwa.

 

O nome da nova era já havia sido anunciado no início de abril quando o secretário-geral e porta-voz do governo, Yoshihide Suga, exibiu para as câmeras um documento com os kanjis (ideogramas) escolhidos caligrafados: 令和. O anúncio do nome de uma nova era é um acontecimento importante no Japão, já que é acompanhado por edições especiais de jornais, espetáculos de caligrafias e festas populares.

 

Segundo o Ministério das Relações Exteriores do Japão, o nome da nova era imperial significa “beautiful harmony” em inglês (ou “bela harmonia” em português). Em entrevista coletiva, o primeiro-ministro do Japão, Shinzo Abe, explicou que Reiwa “significa o nascimento de uma civilização na qual reina uma harmonia entre os seres. A primavera chega após o duro inverno, este nome pretende destacar o princípio de um período que transborda esperança”, disse. “Reiwa enfatiza a beleza da cultura tradicional do Japão e um futuro em que todos seriam capazes de alcançar seus sonhos, especialmente os jovens”, completa o primeiro-ministro.

 

De acordo com pesquisa de opinião local, mais de 70% dos cidadãos japoneses aprovaram o novo nome e a expectativa em relação ao futuro imperador também é altamente favorável.

 

O anúncio da abdicação ao trono do imperador Akihito, por questões de saúde, devido à idade avançada do imperador, foi realizado há alguns anos e surpreendeu a população japonesa. Afinal, é uma novidade para o povo por se tratar de um fato não observado nos últimos 200 anos. “Mas, em termos de história não é um fato novo. Antigamente, cerca de 500-800 anos atrás era comum os imperadores abdicarem em prol de seus filhos ou por motivações políticas”, explica o jornalista e professor da cultura e história japonesa, Fransciso Sato.

Uma das principais mudanças da nova era, segundo a professora doutora Neide Hissae Nagae, especialista em literatura e cultura japonesa da Universidade de São Paulo (USP), é que a data festiva nacional do Japão passará a ser comemorada no dia 23 de fevereiro, aniversário do novo imperador, e não mais no dia 23 de dezembro, que agora configura somente como aniversário do Imperador de Heisei.

 

“Na divulgação do nome da nova era japonesa o comércio se agitou com estampas e impressões gráficas dos ideogramas de Reiwa em tudo que foi possível, a mídia também deu uma cobertura sem igual para esse momento. Assim, toda essa movimentação acaba afetando o cotidiano do povo japonês, que já está esfuziante com a contagem regressiva para as Olimpíadas de Tóquio, em 2020”, detalha Neide.

 

Mas, tirando esses acontecimentos, segundo o especialista em cultura e tradição okinawana, Shinji Yonamine, as mudanças para a população são mais simbólicas. “Atualmente, o imperador japonês tem uma presença mais figurativa no país, suas atribuições são mais cerimoniais, ele participa de eventos e encontros com dignitários estrangeiros, mas não tem poder de decisão governamental”, explica.

 

A escolha do nome

 

O nome Reiwa é resultado de uma reflexão de vários meses entre especialistas, personalidades de diversas origens e líderes políticos. Segunda a emissora oficial de televisão do Japão, a NHK, foram apresentadas seis propostas de nome. E após várias etapas a decisão final foi tomada pelos ministros em uma reunião do gabinete.

 

A escolha do nome segue regras rígidas. Ele deve ser composto por dois ideogramas, ser fácil de ler e escrever e não deve utilizar nomes comuns, nem o primeiro caractere de nenhuma das últimas quatro eras: Heisei, Showa, Taisho e Meiji.

 

“Naruhito é o 248º imperador do Japão. Do primeiro imperador Jinmu até Kōgyoku, a 35ª imperatriz, não existem registros desses nomes de eras, o que significa que houve 213 nomes de eras. Por isso, há uma dificuldade cada vez maior em se achar nomes que não se repitam, inclusive quanto aos ideogramas que já tenham sido usados no passado”, detalha Neide. “Taika, que significa ‘grande transformação’ teve a motivação histórica e política de uma reforma que aconteceu no ano 645, tornando-se a primeira delas e terminou em 650, com Kōtoku como o 36º imperador. Isso foi ainda no período Yamato, nome do povo japonês e do Japão antigo chamado de Wa, pelo império chinês”, explica a especialista.

 

Conforme o anúncio de Yoshihide Suga, os dois kanjis usados para Reiwa vieram da Man’yōshū, a mais antiga coletânea de poemas japoneses. “Até então o nome das eras sempre foram extraídos de algum documento chinês, de modo que a expectativa era de que a fonte escolhida fosse uma obra japonesa, e assim aconteceu”, exalta Neide.

 

“Man’yōshū, ainda sem tradução para o vernáculo, tem sido chamada de ‘Miríade de folhas’ ou ‘Antologia das dez mil folhas’, é considerada patrimônio da língua japonesa com cerca de 4500 poemas dos séculos V ao VIII”, conta a especialista em literatura japonesa. “Essa obra reúne composições de autorias que vão desde os desconhecidos, pessoas do povo e da corte japonesa até imperadores e imperatrizes com provável organização por Ōtomono Yakamochi em 20 tomos”, completa Neide.

 

“É no seu 5º tomo, mais especificamente na introdução escrita por Ōtomono Tabito, que precede 32 poemas tanka (com 31 sílabas moraicas) que os ideogramas escolhidos aparecem. Um grupo de pessoas sentadas num jardim com ameixeiras resolvem compor sob o tema dessa flor, mas REIWA令 和 não é uma palavra ou expressão ali existente. Elas aparecem separadas, sendo REI na composição da expressão 令月 reigetsu (lê-se reiguetsu e com o “r” de era), que significa mês favorável a se realizar qualquer coisa, e 和 wa, que aparece com sua outra leitura possível, na palavra yawaragu  和らぐ com o sentido de amenizar, suavizar”, explica Neide.

 

“Em minha interpretação, mediante breves pesquisas da obra quanto ao referido trecho, trata-se de uma descrição registrada no dia 13 do primeiro mês do 2º ano da Era Tempyō (729-749), em que num mês auspicioso de início de primavera, com o agradável vento a suavizar as sensações, a ameixeira se maquia de pó-de-arroz branco diante do espelho, exalando de seus trajes um discreto aromático da erva fujibakama, da família dos crisântemos. É a alusão a uma figura feminina pela ameixeira que está repleta de flores brancas. Em suma, uma bela harmonia. Isso nos faz lembrar também do famoso ‘Biombo de ameixeiras com flores vermelhas e brancas’, classificado como Tesouro Nacional Japonês, obra do século XVII-XVIII de Kōrin Ogata, artista representativo do Estilo Rin, conhecido mundialmente”, opina a especialista.

 

O anúncio da era é realizado com antecedência para que as empresas e o público possam se preparar para a mudança, já que o nome da era é utilizado em várias ocasiões e documentos oficiais como carteiras de motorista, cartões de seguro de saúde e calendários.

 

O vencedor do Nobel de Medicina Shinya Yamanaka, que integrou o comitê de personalidades que escolheram o nome, afirmou ao canal público NHK que o nome escolhido “é magnífico”. O que concorda Sato. Segundo o especialista, Reiwa foi bem escolhido. “O nome representa bastante a nova fase que o país está passando. Aparece realmente como uma ideia de renovação, uma nova estação, uma nova florada das flores de ameixa, um novo momento”, enaltece.

 

 

O novo imperador

 

Naruhito difere dos seus antecessores de muitas formas. É o primeiro imperador japonês nascido após a Segunda Guerra Mundial, o primeiro imperador a ser criado apenas por seus pais e ainda o primeiro a realizar estudos avançados no exterior. Em diversos momentos, ao longo da vida, desafiou as expectativas ao dar prioridade a sua família e sua vida acadêmica.

 

Após de se graduar em História na renomada Universidade Gakushuin, em Tóquio, Naruhito estudou transporte fluvial medieval europeu na Universidade de Oxford, na Inglaterra, de 1983 a 1985, revelando seu interesse por transportes aquáticos, que continuou com sua pesquisa de doutorado, em Gakushuin.

 

A vivência em Oxford marcou positivamente a vida do atual imperador. No livro de memórias lançado em 1993, O Tâmisa e Eu, Naruhito descreveu o período como o “mais feliz” de sua vida.

 

Defensor das causas ambientais, Naruhito também participou do Conselho Consultivo sobre Água e Saneamento da Organização das Nações Unidas (ONU), além de conferências internacionais sobre água limpa.

 

Em seu aniversário de 59 anos, em fevereiro, Naruhito declarou em uma entrevista coletiva como se sentia em relação a aproximação da posse como novo imperador do Japão: “Quando penso que está chegando o momento, sinto-me muito solene”, ressaltou.

 

O que esperar da Era Reiwa

 

Para Neide, os novos imperador e imperatriz, possuem uma formação e vivência que lhes possibilitam ter ideias e atitudes diferenciadas e espera-se que eles deixem de ser meros símbolo e ônus e que promovam mudanças efetivas. “Mas, só nos resta esperar pelo desenrolar dos acontecimentos e da opinião pública, incluindo-a dos intelectuais não só do Japão como do exterior”, ressalta. “De nossa parte, estamos empreendendo esforços para ampliar e estreitar os laços acadêmicos e científicos com Instituições de Ensino Superior, públicas e privadas e com as entidades governamentais japonesas com o objetivo de desenvolver os estudos japoneses no Brasil em diversas áreas para contribuir na educação, formação e na melhoria do ensino”, finaliza a especialista.