GASTRONOMIA: NOVOS SABORES JAPONESES

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 Novos sabores japoneses

Lámen, okonomiyaki, choux cream… conheça as receitas japonesas que estão caindo no gosto dos brasileiros, muito além dos já conhecidos sushi e sashimi 

Fotos Divulgação

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 Aos poucos, a visão dos brasileiros em relação à gastronomia japonesa tem mudado, e aquele antigo dito de que a comida da terra do sol nascente se resume a peixe cru já não tem tanta força. Com uma culinária rica em sabores e aromas, que apaixonam os olhos e encantam o paladar, já não era sem tempo para novos pratos e combinações agradarem o paladar brasileiro.

 “O brasileiro está vendo que a cozinha japonesa não se trata somente de cozinha fria, mas de uma cozinha quente muito rica a ser explorada, com cozidos, macarrão, sopas, que podem fazer combinações com cervejas, vinhos e saquês”, opina o professor de Gastronomia da Universidade Anhembi Morumbi, Hélio Takeda.

 No Brasil a gastronomia japonesa já passou por várias fases. Primeiro vieram os sushi e sashimi e os famosos rodízios, que se espalharam por várias partes do País. Depois as temakerias, que caíram no gosto dos jovens e descolados, que optaram pela iguaria japonesa como uma forma de comida rápida, prática e saudável, até nas madrugadas, antes ou depois das baladas. Mais recentemente, houve a invasão de izakayas. “Os botecos japoneses, que servem bebidas e petiscos”, explica Takeda.

 E agora, outra receita virou a queridinha dos paulistas: o lámen. Antes reservadas principalmente ao bairro oriental da Liberdade, as casas de lámen, estão invadindo também outras regiões da capital paulista, com novos restaurantes pipocando em diversos bairros, e reunindo filas de fãs e curiosos em experimentar a tigela de macarrão, com caldo saboroso. Uma prova de que o prato já caiu de vez no gosto dos brasileiros.

 Para Takeda, o sucesso do lámen pode ser explicado por ser um produto de fácil preparação em relação a outras comidas japonesas, além de ser barato para o público. “Os brasileiros gostaram muito do gosto do macarrão com caldo, além do atendimento rápido, sendo ideal para quem tem pouco tempo para o almoço”, completa.

 “Outros pratos quentes também estão cada vez mais populares entre os brasileiros, como sukiyaki (cozido de carnes e legumes), robatas (espeto de carne, legumes ou cogumelos), tonkatsu (porco à milanesa), karerice (cozido de carne e legumes com curry e arroz), okonomiyaki (panqueca japonesa), entre outros”, enumera Takeda.

 E se o mercado da culinária japonesa no Brasil ainda tem espaço para crescer, a resposta do especialista é sim. As perspectivas são de que cresça ainda mais, em novos modelos e explorando outras especialidades japonesas. “Tem tudo para crescer e sempre fazer algumas alterações para o gosto do brasileiro, sem perder, claro, a delicadeza e o sabor da tradicional culinária japonesa”, aposta o professor.

Como tudo começou

 A culinária japonesa chegou às terras tupiniquins em 1908, com os primeiros imigrantes. No artigo “Cem Anos de Culinária Japonesa no Brasil”, publicado no livro “Centenário: Contribuição da Imigração Japonesa para o Brasil – Moderno e Multicultural”, a pesquisadora da cultura, etiqueta social e empresarial japonesa, Lumi Toyoda, explica que a cozinha doméstica japonesa expandiu-se paulatinamente, com o desenvolvimento do comércio de produtos alimentícios típicos em locais de alta concentração de nikkeis. A partir do início da segunda metade do século XX, ocorreu a fixação de lojas e restaurantes em São Paulo, principalmente no bairro da Liberdade. Entretanto, até os anos 70 a culinária japonesa se restringia à comunidade.

 A real integração entre a culinária japonesa e os brasileiros, só ocorreu a partir de fins da década de 1970. “Como um grande tsunami, a culinária japonesa transformou totalmente o meio gastronômico do Brasil em pouco mais de três décadas. Em 1979, existiam 41 restaurantes japoneses em São Paulo. Atualmente, estão cadastrados mais de 600”, conta Lumi em seu artigo.

 “A gastronomia japonesa ultrapassou os limites da comunidade nipo-brasileira, chegou à mesa das famílias brasileiras e hoje ocupa espaços até em restaurantes tipicamente não nipônicos. Considerando todas as churrascarias e restaurantes por quilo (além de outros tipos de estabelecimento) da cidade que oferecem sashimi, sushi, yakissoba e outros pratos da culinária japonesa, os estabelecimentos que servem essa culinária na cidade de São Paulo podem ter o dobro ou o triplo do número informado. Esse fenômeno ocorre também em outras cidades e regiões do Brasil. Assim, a culinária japonesa deixou de ser simples modismo para se afirmar como parte da cultura gastronômica brasileira”, ressalta Lumi. 

Na onda do lámen


tantan_by_rubens-kato-29-usarA capital paulista embarcou de vez na moda do noodle japonês e o prato superou as fronteiras da Liberdade e se espalhou pela cidade

 Por anos, as casas da Liberdade eram os poucos endereços disponíveis na cidade para consumir o prato símbolo da comfort food japonesa. Agora, a oferta de lámens cresce a cada dia em São Paulo, e as famosas tigelas de macarrão são encontradas para além dos restaurantes tradicionais.

 Hélio Takeda explica que no lámen o macarrão é sempre acompanhado por elementos que representam o mar: como a alga nori ou wakame; a terra: cenoura, brotos, nirá (cebolinha chinesa), cogumelo; e os animais: principalmente a carne de porco, mas também pode ser encontrado ovo cozido, kamaboko ou naruto (massa de peixe prensada), e em algumas versões frutos do mar.

 Mas, a essência do lámen está no caldo. As receitas de longo cozimento misturam proteínas, em geral frango e/ou porco, e vegetais e variam de restaurante para restaurante, de acordo com a região japonesa. Cada chef tem um segredo para o seu caldo, geralmente, guardado a sete chaves. Depois de pronto, o caldo-base é temperado com shoyu (molho de soja), missô (pasta de soja) ou shiô (sal), e pode ser servido quente ou frio.

 “A massa usada no lámen é de origem chinesa e foi levada ao Japão na era Meiji (1868 – 1912)”, explica Takeda. “Na China priorizava o macarrão e no Japão, o caldo. No Japão, originalmente, o prato iniciou sua trajetória em chinatowns de diversas cidades japonesas, com o nome de ‘Nankin Soba’”, conta Lumi Toyoda. “Com o decorrer dos tempos, popularizou-se em todo o país e recebeu o nome de ‘China Soba’ e mais tarde de ‘Chuuka Soba’. Com o surgimento do famoso macarrão instantâneo denominado lámen, o ‘Chuuka Soba’ também foi rebatizado de ‘Lámen’”, explica a especialista.

 No Japão, o lámen tornou-se uma comida muito popular, é servido na rua, em barracas. Por lá, aliás, a estimativa é que existam mais de 34 mil endereços só de lámen. “O prato ficou tão famoso em terras japonesas, que retornou ao seu país de origem e atualmente, na China, a moda é o lámen japonês”, completa Lumi.

 Ela explica que por se tratar de uma comida popular, o lámen pode ser degustado sem regras rígidas. “É recomendado ao iniciar experimentar um pouco do caldo. A seguir pode alternar o macarrão, os outros ingredientes, e o caldo em ordem aleatória, ao gosto de cada um. Como o capricho maior é no preparo do caldo, na medida do possível, deve-se consumir o macarrão e o caldo na sua totalidade. E, se necessário, só acrescentar algum tempero após experimentar o caldo”, detalha. “Como a tigela do lámen é enorme, para tomar o caldo utiliza-se a colher, ela também serve para auxiliar o hashi a transportar o macarrão da tigela até a boca”, finaliza.

Novo fôlego ao prato

 Sucesso nos Estados Unidos e em outros países pelo mundo, a moda do lámen chegou ao Brasil e firmou-se em São Paulo, virando o queridinho do momento. Vários motivos podem ser considerados para falar do sucesso do prato, mas a facilidade no acesso a matéria-prima base, a massa, é com certeza uma das razões. 

 Se antes só havia lámen importado em São Paulo, a oferta de massa de qualidade feita aqui mesmo, impulsionou a disseminação do prato e facilitou a vida dos chefs. “Não vou dizer que fomos os responsáveis pela popularização da receita em São Paulo, mas temos nossa ‘parcelinha’ de culpa”, conta bem humorado William Miyasato, sócio da marca de lámen fresco Shinki, inaugurada há pouco mais de um ano, no bairro da Mooca.

 Junto com o sócio Takayuki Iwawaki, o Taka, Miyasato viu uma brecha no mercado, já que a oferta de massa de qualidade nacional era escassa, e resolveram fazer o próprio macarrão com equipamentos e insumos nacionais, e assim aumentar a oferta em lojas e restaurantes. “Fizemos vários testes até chegar ao resultado que queríamos, mas conseguimos desenvolver uma massa de lámen de qualidade”, explica Miyasato.

 Segundo ele o segredo para uma massa de qualidade é o equilíbrio entre os quatro ingredientes básicos: água, sal, farinha de trigo e kansui – composto alcalino de carbonato de sódio e carbonato de potássio. “A massa não pode ser grudenta, tem que ter uma elasticidade perfeita, chegar ao ponto ideal é o desafio”, comenta.

 Atualmente a Shinki produz cerca de 800 porções por dia e é responsável por abastecer casas de renome na cidade como o Tan Tan Noodle Bar, do chef Thiago Bañares, a Casa do Porco, do Jefferson Rueda, o Sakagura A1, do renomado chef japonês Shin Koike, Tatá Sushi Noodle Bar, Isakaya Matsu, restaurante Bueno, Temakiya, entre outros endereços. Além de disponibilizar sua massa em mercearias e mercados da Grande São Paulo, como a Casa Bueno, Marukai, Ichiban e Enman.

 Na cidade de Mogi das Cruzes, há outro fornecedor nacional de lámen, a fábrica MN, aberta em 2009. A MN trabalha com maquinário e insumos importados e não vende no varejo, só abastece restaurantes e izakayas.

 “Agora o lámen é o novo ‘xodozinho’ da gastronomia japonesa, mas acredito que é uma tendência que veio para ficar, porque é uma comida muito versátil, você tem diversas maneiras de fazer, pode usar diferentes ingredientes, além de poder consumir o caldo quente ou frio, ou seja, é uma receita para o ano todo”, exalta Miyasato.

 Para quem deseja fazer seu próprio lámen, a Shinki facilitou ainda mais a vida e lançou também o caldo de lámen pronto. “Como as pessoas tinham um pouco de dificuldade de fazer o próprio caldo, já que é um processo demorado, resolvemos lançar o caldo shinki, assim a pessoa compra a nossa massa e o caldo e já está com o lámen praticamente pronto, é só acrescentar algum acompanhamento se achar necessário”, explica Miyasato. “Por enquanto está disponível nas mercearias e mercados da cidade o caldo de sabor shoyu, mas a ideia é no futuro lançar novos sabores como missô”, finaliza.

Onde saborear

Conheça as principais casas que oferecem o prato que virou febre em São Paulo

Aska

Rua Galvão Bueno, 466 – Liberdade

11.3277-9682

Ter. a dom.: 11h – 14h e 18h – 22h | Fecha todo último domingo do mês.

Lamen Kazu

Rua Thomaz Gonzaga, 51 – Liberdade

  1. 3277 – 4286

www.lamenkazu.com.br

Seg. a sab.: 11h – 15h e 18h – 22h30 | Dom. e feriados: 11h – 15h e 18h – 21h

Momo Lamen House

Rua dos Estudantes, 34 – Liberdade

  1. 3207-5626

www.momolamen.com.br

Seg. a qui.: 11h – 15h e 18h – 21h | Sex.: 11h – 15h e 18h – 22h | Sáb.: 11h – 22h | Dom.: 11h – 21h

2nd Floor Noodle Bar

Rua Leandro Dupret, 980 – Vila Clementino

  1. 94163-6593

Facebook.com/2ndfloornoodlebar

Ter. a sáb.: 19h – 22h30

Jojo Ramen

Rua Doutor Rafael de Barros, 262 – Paraíso

  1. 3362-1654 / 3279-5005

www.jojoramen.com.br

Seg. a sex.: 11h30 – 14h30 e 18h – 22h | Sáb.: 12h – 15h e 18h – 22h

Hirá Ramen Izakaya

Rua Fradique Coutinho, 1240 – Pinheiros

  1. 3034-3832

www.hiraramenizakaya.com.br

Almoço: Seg. a sex.: 12h – 15h / sáb. dom. e feriado: 12h30 – 16h | Jantar: dom. a qua.: 19h – 23h / qui.: 19h – 23h30 / sex. e sáb.: 19h – 00h

Tan Tan Noodle Bar

Rua Fradique Coutinho, 153 – Pinheiros

  1. 2373-3587

www.tantannb.com.br

Ter. a qui.: 19h – 23h30 | Sex. a sáb. 18h – 00h30 | Dom.: 18h – 23h30 | Fecha todo último domingo do mês.

Tatá Sushi e Noodle Bar

Rua João Cachoeira, 278 – Itaim Bibi

  1. 3078-2006

www.tatasushi.com.br

Ter. a sáb.: 12h – 23h30 | Dom.: 12h – 18h

Confeitaria japonesa

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Doces leves, com pouco açúcar e frutas da estação marcam os doces no estilo yogashi

 Sobremesas no estilo yogashi estão invadindo os restaurantes japoneses de São Paulo e atraindo os brasileiros pela delicadeza no sabor e belo visual

 Aos que acreditam que a confeitaria japonesa está somente baseada em doces de arroz e feijão azuki (feijão vermelho de origem japonesa utilizado no preparo de doces) ainda não foram apresentados às delicadas e belíssimas sobremesas do estilo yogashi, a confeitaria japonesa de técnicas ocidentais, adaptadas ao paladar e ingredientes japoneses, que recentemente passou a dominar os cardápios dos restaurantes japoneses da capital paulista.

 “A leveza é a principal característica da confeitaria oriental. O yogashi é feito com muitos ingredientes regionais, aproveitando o melhor de cada estação, principalmente as frutas frescas. São doces de receita ocidental, mais leves e, principalmente, com menos adição de açúcar”, explica a chef confeiteira Vivianne Wakuda, de 28 anos, uma das responsáveis por disseminar esses doces japoneses por São Paulo.

 Formada em gastronomia pelo Senac em Campos do Jordão, a neta de japoneses estudou oito meses no Japão para aprender as técnicas da confeitaria japonesa. Por meio de uma bolsa de estudos, oferecida pelo governo japonês, Vivianne foi para a província de Fukui, em que estagiou na Osoumenya, a maior confeitaria da cidade, fundada em 1688.

 Quando voltou ao Brasil, trabalhou com o francês Fabrice Lenud, na Douce France, e atuou com confeitaria brasileira, na Las Chicas. Em 2014, passou pela Sweet Deli, onde ganhou o prêmio de melhor confeiteira da cidade pela Veja SP. Atualmente, Vivi é responsável pelas sobremesas do menu-degustação do restaurante Aizomê, que mudam semanalmente, e do menu fixo da casa. Também fornece seus doces aos restaurantes Jojo Ramen, Hirá Ramen Izakaya e A Loja do Chá. Além de atender os restaurantes, também faz doces por encomenda. (Pedidos pelo telefone 11. 96488-7708 ou pelo e-mail viwakuda@gmail.com).

 Vivi explica que a confeitaria japonesa é dividida em duas grandes vertentes, a yogashi e a wagashi – a doceria tradicional do país. “São os doces que predominam na cerimônia do chá e nas datas comemorativas. Geralmente feitos de arroz, feijão azuki e kanten (ágar-ágar)”, conta.

 Na confeitaria yogashi saem o arroz e o feijão, mas permanecem os ingredientes nipônicos como matchá (chá verde em pó), yuzu (fruta cítrica originária do leste asiático), gergelim e hana umê (folha de ameixa). Não somente os ingredientes, mas o aspecto visual também segue o estilo japonês: “No yogashi há também muito apelo visual, a pessoa tem que olhar para o doce e ter vontade de comer. Preza-se muito a finalização, tem que ser impecável e minimalista”, esclarece a confeiteira.

“O doce símbolo do yogashi é o ichigo shortcake, um bolo feito de pão de ló, recheado com chantilly e morangos”, conta Vivi. Mas, em São Paulo o doce mais popular do estilo é o choux cream (lê se “chu cream”). “O choux é feito com uma massa semelhante a da carolina, com uma camada de amêndoa crocante, recheado de creme de confeiteiro, feito com fava de baunilha, de sabor suave e pouco açúcar”, detalha.

 No Japão, a confeitaria no estilo yogashi se popularizou nas décadas de 1970 e 1980, influenciados, principalmente, pelas técnicas francesas. “Os japoneses não tinham muito costume de comer doce, mas atualmente já virou rotina no Japão, por exemplo, sair com os amigos para comer um doce”, esclarece Vivi. Segundo ela, o nível da confeitaria nipônica é tão alto que os grandes pâtissiers da França e seus discípulos estão viajando para estudar no Japão. “Em Paris, inclusive, um dos mais prestigiados doceiros do momento é o japonês Sadaharu Aoki”, finaliza.