Opinião: Anos 60

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O mundo sofreu uma reviravolta geral nos anos 60. Não era mais possível viver na camisa de força de usos e costumes que tornavam a vida monótona e pouco atraente. O grito de liberdade finalmente tinha chegado, os jovens estavam saindo deste sufoco social e cultural…

_Nelson FukaiE foi nessa década também que no Brasil, os imigrantes japoneses, seus filhos e netos começaram a despertar para uma outra realidade. Na época os imigrantes vindos na década de 30, em sua grande maioria ainda vivos e ativos, estavam seriamente preocupados com a possibilidade de uma integração cada vez mais profunda, tal qual acontecera com outros povos, que poderia resultar na extinção quase que total dos traços dos costumes e da cultura nipônica trazidos por eles. Deve ser ressaltado que esses imigrantes, nascidos no início do século 20, carregavam forte sentimento nacionalista, verdadeiros adoradores do imperador e até então viviam em guetos urbanos e rurais, fazendo pouca questão de uma interação com os brasileiros, restrita basicamente às atividades profissionais. Essa preocupação ficava evidente na quase proibição dos casamentos inter-raciais, no incentivo às práticas esportivas, sociais e culturais somente entre nikkeis e mais uma série de pequenas regras que, se não proibiam expressamente, dificultavam a integração com o resto da população.

Mas os anos 60 chegaram e não dava mais para segurar. Os nikkeis nascidos no pós-guerra já não queriam mais ser o japonesinho da turma, queriam se libertar dessa amarra social e cultural que os obrigavam a uma confusa duplicidade de usos e costumes. Muitos tinham até vergonha de ter a cara de japonês. Fizemos concessões, frequentamos a escola de língua japonês (nihon-gakou), praticamos beisebol, judô, sumô, etc, cantamos em concursos (nodo-jima) mas cada vez menos e introduzindo cada vez mais no nosso cotidiano a forma ocidental de viver. O esporte preferido agora era o futebol, música era Beatles e Jovem Guarda, banimos quase que totalmente a língua japonesa no trato entre os descendentes e nada de casamento arranjado (miyai), os jovens queriam paquerar e namorar. Se não era uma negação aberta da origem, era a procura de uma nova identidade. E claro, tudo isso resultou num grande conflito.  Os jovens queriam promover brincadeiras dançantes e outras atividades ocidentalizadas, os velhos tentavam de toda forma dificultar e impor restrições; eles perguntavam usando o idioma japonês, mas a resposta vinha em português; eles nos queriam ver de cabelos curtos e roupas clássicas, mas os jovens usavam roupas coloridas e cabelos longos. Mas num ponto eles conseguiram nos convencer, não exatamente por imposição, mas por uma convincente orientação. A necessidade de estudar para fugir da discriminação, para melhorar de vida e para mostrar a força da comunidade. E se nas décadas passadas alguns heróis já tinham iniciado a caminhada, nos anos 60 começamos a invadir as melhores escolas técnicas e universidades do país. Só para exemplificar, a minha turma (formada em 1972) do curso de eletrotécnica da Getúlio Vargas, então considerada a melhor do Brasil, era formada por 26 alunos, dos quais somente 3 não eram nikkeis. O que era problema passou a ser orgulho, os velhos imigrantes exibiam os feitos escolares dos filhos e netos, como o grande troféu da nossa comumidade.

E a partir dos anos 80 os japoneses e seus descendentes deixaram de ser motivo de chacota, ao contrário, passaram a ser admirados e ter a cara de japonês passou a conferir um atestado de bom cidadão. E aqueles rebeldes dos anos 60, revertendo a preocupação dos velhos imigrantes, agora adultos e papais, passaram a se preocupar com a manutenção de alguns aspectos dos costumes nipônicos. Daí que incentivaram seus filhos a frequentar novamente os kaikans, a jogar beisebol, a cantar nos karaokês, a bater “taiko”, etc, etc… E sem nenhuma imposição, jovens nikkeis voltaram novamente a viver em pequenos guetos nos colégios e faculdades, com interação totalmente ocidentalizada entre eles, mas guardando um “não sei o que” de nipônico. E esse “não sei o que” é que vai garantir que no bicentenário da imigração ainda teremos muitos brasileiros de olhinhos puxados, que juntos com outros não tão puxados, certamente irão comemorar os feitos dos seus ancestrais.

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.