Opinião: Chacotas e coices

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Logo após a chegada – e durante muitos anos -, os imigrantes japoneses foram motivo de maus tratos, de chacota e até de perseguição. É até compreensível que os brasileiros nativos de então agissem dessa maneira, pois aqueles estranhos seres de olhinhos puxados falavam uma língua muito estranha, tomavam banho em tambores, viviam baixando a cabeça uns aos outros e guardavam arroz em penicos. E sempre que aconteciam desavenças, aqueles orientais não se intimidavam e resolviam as questões no braço…

Com o passar dos anos, os japoneses foram aprendendo os rudimentos da língua portuguesa. No campo começaram a ter progressos fantásticos, os que iam para as cidades logo se destacavam no comércio e como profissionais liberais. As crianças começaram a frequentar as escolas públicas. Era o início do processo de integração. Mas tudo isso custou muita luta, perseverança, dedicação e sacrifício. Quando, finalmente, seus filhos e netos passaram a dominar as listas dos aprovados nos vestibulares das principais universidades, principalmente dos estados de São Paulo e Paraná, os nikkeis começaram a ter o respeito e o reconhecimento de toda a sociedade brasileira. Após a formação acadêmica, e consolidados no mercado de trabalho, passaram a ser referência profissional em várias áreas.

Hoje desfrutamos de uma situação privilegiada: apesar de algumas exceções, nikkeis são considerados pessoas sensatas, honestas e trabalhadoras, integradas completamente ao País. Mas, estranhamente, acontecem fatos que remam contra a maré. Já faz um bom tempo, um jornal da comunidade publica artigos de uma nikkei que, se não fossem trágicos, seriam cômicos. A dita cronista trabalhou no Japão durante muitos anos e baseia a maioria dos seus artigos em dois pontos. Declara que no Japão (um país maravilhoso onde tudo é perfeito, segundo ela) só aprendeu coisas boas, coisas que dificilmente teria condições de aprender no Brasil. Outro ponto que faz questão de enfatizar é que ela é uma dekasegui de sucesso, em função de seu comportamento exemplar, daí que seus artigos são reprimendas (recheadas de conselhos) aos dekaseguis desnorteados. Se tudo isso fosse colocado de forma racional e lógica, com uma redação minimamente aceitável, nada a criticar. Todos nós que publicamos artigos, em algum grau, corremos o risco do autoelogio, de não agradar a maioria dos leitores com nossas opiniões e de cometer alguns erros de gramática. O problema é que os artigos são medíocres, não obedecem a nenhuma lógica de pensamento, assassinam as mais simples regras da língua portuguesa, baseiam-se muitas vezes em pressupostos totalmente inverídicos e, principalmente, apresentam ideias e opiniões quase infantis. Em recente artigo, no qual aborda as comemorações dos 25 anos do movimento dekasegui (outra inverdade, afinal, não existe uma data definida da chegada dos primeiros trabalhadores brasileiros no Japão, que aconteceram ainda nos anos 80 do século passado), a cronista critica a falta de vontade de integração dos dekaseguis, que nem aos menos se esforçam para aprender a língua local, dando como exemplo os imigrantes japoneses no Brasil. Aí está um exemplo de um pressuposto mentiroso. Os imigrantes, principalmente os que desembarcaram por aqui antes da Segunda Guerra, não estavam nem aí em aprender a língua portuguesa. A grande maioria morreu sabendo apenas rudimentos da nossa língua, exceção feita apenas aos que se dedicaram ao comércio. Contam-se nos dedos os que conseguiam escrever uma boa redação em português. Viveram toda a vida em guetos, inicialmente nas fazendas e depois nas cidades. Fundaram associações, escolas, clubes, igrejas. Tudo dentro da comunidade, de forma que tiveram pouca integração com o resto da sociedade brasileira.

E o pior da história é que a moça tem seguidores, é bajulada pelos políticos e, pasmem, até andou ganhando prêmios e homenagens. Parodiando Rui Barbosa, de tanto ver premiada a mediocridade, até dá vontade de parar de escrever. Mas um aviso aos que a incentivam: de tanto elogiar o cavalo pela sua educação, o equino pode concluir que as pessoas adoram ser acariciadas com coices. Não reclame se aparecerem com as testas marcadas por ferraduras!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.