Opinião: Grito contra o preconceito

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Algumas semanas atrás, dois jovens que convivi quando ainda usavam calça curta, o cantor Rogério Harada, que conheço como “Haradinha”; e o produtor de eventos Leandro Ishibashi, também conhecido como “Le Shiba”, postaram protestos nas redes sociais contra a Rede Globo, pelo fato de que a emissora não usaria atores de origem oriental, numa novela que versaria sobre a Imigração Japonesa. Esse é um assunto que precisa ser abordado de uma maneira mais racional e menos emocional, daí o enfoque um pouco diferente que pretendo mostrar…

_Nelson FukaiAs vitórias, as conquistas, tudo na vida acontece ponto a ponto. Um jogo de futebol que terminou em goleada, começou zero a zero – e os muitos gols foram marcados um a um. Para conquistar esse pouco a pouco, é preciso uma forma contínua, muito esforço, dedicação, trabalho e até um pouco de sorte. Foi mais ou menos por aí que os imigrantes japoneses e seus descendentes trilharam sua caminhada de sucesso. Quando os primeiros imigrantes chegaram nessa terra de Cabral, foram recebidos com total desconfiança e feitos de bobos por todos os habitantes do Brasil da época. Tinham duas alternativas: o conformismo ou a luta. Hoje, pode parecer que não foi grande coisa a opção pela luta, mas foi ela quem definiu a trajetória vitoriosa que a comunidade nikkei vem trilhando. Outros segmentos da população brasileira, que enfrentavam na época dificuldades de outras naturezas, optaram pelo conformismo, comportamento que em muitos casos perdura até os dias de hoje, o que explica a grande massa de pobres e miseráveis no país.

Com luta, aos poucos vieram as conquistas. De uma massa de miseráveis jogada nas fazendas de café, os imigrantes se tornaram produtores rurais e profissionais urbanos. Aos poucos, começaram a ser vistos como gente trabalhadora e honesta. E colocaram seus filhos para estudar, começando a “invasão” nikkei nas melhores universidades. Dali saíram milhares de médicos, dentistas, engenheiros, advogados, economistas, professores e outros tantos profissionais. Por essa e outras, hoje estamos totalmente integrados na sociedade brasileira.

Atualmente o preconceito – diria melhor, a estranheza em relação aos que ostentam uma fisionomia oriental – só acontece nos rincões do norte-nordeste e nas camadas mais ignorantes da população. Nas áreas mais desenvolvidas do centro-sul, somos respeitados e até admirados. Em várias áreas, a presença dos nikkeis é marcante, principalmente naquelas onde é necessária uma carga maior de dedicação e esforço. Já nas áreas da música, televisão e cinema, nas quais o talento é que impera, nós ainda estamos engatinhando. Em grande parte por culpa de nós mesmos, que insistimos de forma cabal a cantar, dançar e tocar tambores sob total influência japonesa. Muitos bons artistas nikkeis acabam ficando restritos à comunidade por esse motivo, quando muito atingem um profissionalismo marrom. No mundo artístico, de primeira linha temos só três nomes conhecidos do grande público: A Dani Suzuki, a Sabrina Sato e o jovem Yudi. Muito pouco se comparado com destaques que temos em outras áreas de atuação. Certamente devem existir mais algumas dezenas de atrizes e atores nikkeis mas que ainda não são conhecidos do grande público. Daí que, ainda que artisticamente fosse possível, comercialmente não temos ainda nomes nikkeis para formar um elenco para uma novela global. Tanto que, em filmes recentes retratando episódios com imigrantes, foram contratados atores japoneses.

Certamente, um dia vai acontecer de um grande cantor, como é Joe Hirata, explodir fora da comunidade. Ou do meu amigo Haradinha virar estrela global e suas músicas serem as mais tocadas nas rádios. E de dezenas de nikkeis serem reconhecidos como grandes atores, participando às pencas de filmes e novelas. Talvez eu não esteja mais aqui, isso vai ser para as gerações de meus filhos e netos. Como já foi dito, esta é mais uma conquista que precisa ser feita ponto a ponto!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.