Opinião: Torcida sem bandeira

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Estou escrevendo faltando pouco mais de dez dias para o jogo de abertura da Copa do Mundo. Mas, o oba-oba está somente em assuntos marginais, protestos, gastos excessivos, obras inacabadas. Do torneio propriamente dito, da disputa esportiva, o clima ainda não esquentou, o povo brasileiro simplesmente está ignorando. Não fossem pela mania das figurinhas, nada indica que vamos participar, e mais do isso, sediar o principal evento esportivo do mundo, neste ano de 2014…

Nelson FukaiNão temos criancinhas em grande número com o uniforme da seleção, janelas com bandeiras, adesivos em carros, quase nenhuma rodinha de conversas acaloradas sobre convocações e nada de “bolão”. Se a Copa fosse na China ou no Afeganistão, vá lá, mas no Brasil, o país do futebol e que tem a seleção mais vitoriosa, o que está acontecendo que o incêndio ainda não começou?

A bem da verdade, aos poucos o futebol está deixando de ser a grande e única paixão dos brasileiros. A debandada dos bons jogadores para o exterior fez cair demais o nível técnico dos grandes clubes nacionais, daí que o público presente aos estádios vem caindo progressivamente – o interesse pelo futebol deixou de ser mania para a maioria dos jovens.  Acrescente a isso a queda na identificação da torcida com os jogadores convocados, muitos verdadeiros estranhos para os brasileiros, a aplicação de dinheiro público na construção das arenas, as obras de infraestrutura que atrasaram (ambas com suspeitas de desvios) e a desconfiança de que o governo da presidenta Dilma perdeu as rédeas no controle da organização do evento. Tudo isso acabou criando um sentimento misto de indiferença e de pessimismo, com a realização da Copa no Brasil.

Desde o início do século 20, notadamente a partir dos anos 50, o orgulho de ser brasileiro foi crescendo e apesar dos solavancos políticos, o país sempre caminhava para frente. Construímos Brasília, a nova capital, em menos de quatro anos, encantamos o mundo com a bossa nova, em 58, 62 e 70 fomos tricampeões de futebol mostrando arte e garra, nos outros esportes, Eder Jofre, Maria Ester Bueno, Emerson e depois Senna foram reconhecidos e aplaudidos no mundo inteiro, inventamos o etanol, durante muito tempo tivemos altos índices de crescimento econômico, nossa agricultura passou a ser a mais produtiva do planeta, enfim, durante décadas o Brasil teve motivos para ser feliz e otimista. Copa do mundo era período de grande euforia, um verdadeiro carnaval fora de época.Infelizmente, esta fase está passando ou já passou. Na música, temos que conviver com pagodes, sertanejos, axés e outras “novidades rítmicas”, produtos para consumo imediato e com pouca ou nenhuma qualidade. Nos esportes, exceção feita ao vôlei feminino e mais alguns nadadores, não somos destaques mundiais em nada, principalmente na fórmula 1, onde Felipe Massa mostra cada dia mais que é um ex-piloto. A pobreza ainda atinge milhões de brasileiros, a nossa economia vive patinando e a corrupção sangra de morte os cofres públicos. O futuro chegou e as previsões do passado não se concretizaram. O brasileiro trabalhador e consciente, está perdendo as esperanças: antes orgulhoso, agora já começa a sentir vergonha do país.

Por não ter mais orgulho do país, por ter perdido a esperança de viver em um país melhor, o povo brasileiro não tem mais motivos para ficar torcendo por algo com o qual tem pouca identificação. Não temos um país para torcer. Afinal, ganhar a copa vai ser bom só para os milionários jogadores, que vão ficar mais milionários, e para os que vão usar a vitória para propaganda eleitoral. Nada vai mudar no sofrido cotidiano do povo brasileiro, daí a razão da total indiferença.

Nesta e em outras copas, gostaríamos de torcer pela bandeira da honestidade, da competência, da moralidade e da justiça. Infelizmente, estes times estão perdendo de goleada. Ou o Brasil troca de técnico, ou vamos acabar caindo para segunda divisão!!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br