Dois em um, por Nelson Fukai

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Nelson FukaiDesde a mais tenra idade, todos nós, ou pelo menos as pessoas consideradas comuns e normais, temos vontade de encarnar uma pessoa famosa, viver as mesmas emoções, possuir as mesmas coisas, ser admirado da mesma forma…

Enfim, ser sorteado pelos deuses para uma existência absolutamente maravilhosa.

Ainda de calças curtas, queria ser John Wayne no velho oeste, de cinturão e botas, cavalgando pelas pradarias, matando bandidos e sendo paparicado pelas donzelas. Um cabo de vassoura entre as pernas fazia de cavalo, um pedaço de madeira era o revólver e o matinho do quintal de casa era o esconderijo. Coitado do cachorro que fazia o papel de bandido. Depois, quase paralelamente, o futebol passou a ser a grande paixão. Quando ainda não tinha me conscientizado que era pouco mais do que um perna de pau, meu sonho era ser Pelé. Daí que o presente de Natal, por vários anos, foi uma bola de futebol. E lá ia eu, socando o ar em cada gol que fazia na parede sem goleiro que servia de trave.

Mas aí chegou a adolescência. Tinha treze anos quando estourou  o movimento da música jovem, Beatles no mundo inteiro e Roberto Carlos no Brasil. Não deu outra. Sonhava em subir num palco, garotas gritando, mais do que isso, berrando pelos meus lindos cabelos, pela minha voz maravilhosa e pelo meu carro possante. Ah, e as músicas que iria compor, estariam nas paradas de sucesso. Até comecei a arranhar um violão, mas a falta de talento e a voz desafinada mataram rapidamente este sonho da adolescência. Daí prá frente foi só estudo e trabalho e hoje essa ideia de encarnar alguém famoso quase que desapareceu. Quem?? Lula, Francisco Cuoco, Eike Batista??  Não dá, uns porque não são o que deveriam ser, outros porque já foram e não são mais.

Mas tem uma exceção. Faleceu, no mês passado, um personagem que gostaria muitíssimo de ter sido. Talvez eu até tenha tentado algo parecido ao longo destes meus 60 anos, mas certamente com muito menos sucesso. Estou falando do hoje já saudoso Paulo Vanzolini. Sucesso na vida profissional , respeitado zoólogo, por três décadas foi diretor do Museu de Zoologia da USP. Mas mais do que respeitado, foi um apaixonado pela zoologia que, segundo ele, não foi uma escolha, pois já tinha nascido para isso. Especializado em repteis, elaborou a Teoria dos Refúgios, que, em síntese, explica a grande biodiversidade da floresta amazônica. Foi também um dos criadores da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo. Com esta biografia, quem não conhece deve pensar que se trata de um sujeito chato, nerd do tipo CDF, ou coisa parecida. Mas tinha um outro Paulo Vanzolini: o compositor, o boêmio, um ser humano com incrível senso de humor. Formou com Adoniram a dupla que melhor retratou musicalmente a vida na paulicéia desvairada até os anos 70. Se Adoniram falou do Jaçanã, Vanzolini falou da Praça Clovis;  se Adoniram ficava triste com a morte da amada, atropelada ao atravessar a rua, Vanzolini reconhecia a queda, não desanimava e dava a volta a volta por cima; se Adoniram se conformou com a demolição da saudosa maloca, Vanzolini rondava a cidade procurando pelos malandros. Paulo Vanzolini é o cara que eu gostaria de ter sido. Ele foi Adoniran e Osvaldo Cruz  ao mesmo tempo. Um dois em um, talentoso na ciência e craque na música!!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br