Opinião: Identidade Nikkei

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A confusão começou bem lá atrás, no início do século 20, logo após a chegada dos primeiros imigrantes japoneses no Brasil. Uma grande dúvida pairava no ar: eram imigrantes para fincar raízes no Brasil ou estavam de passagem para ganhar dinheiro e voltar para a terra natal? Os que pensavam em ficar definitivamente, começaram a se “abrasileirar” e passaram a ser olhados com desconfiança pelo resto da turma, que viviam fechados em guetos. A identidade dos japoneses no Brasil começava a se diluir…

No final da Segunda Guerra, em 1945, a grande questão não era tanto se o Japão tinha perdido ou não, mas a maneira de aceitar o resultado. Uns se revoltaram e não aceitavam a derrota ou aceitavam com muita dor; outros acharam que tinham que se conformar rapidamente e aí foi uma briga dos diabos entre os oponentes, com muitas mortes e rixas que duraram décadas. Nessa época, muitos filhos de imigrantes nascidos no Brasil já tinham atingido a idade adulta, o que complicava ainda mais o quadro. Mais um passo rumo à confusão de identidade.

Nos anos seguintes, nas décadas de cinquenta e sessenta, a coisa pegou fogo. Os velhos imigrantes, com medo que as novas gerações perdessem totalmente os laços com o Japão, criaram muitas barreiras. Nada formalizado, mas bastante funcionais, as regras vigoraram dentro da comunidade, com severa fiscalização. Casamento com gaijin nem pensar, quem ousasse era socialmente excluído da comunidade. Uma certa tolerância na prática de esportes na escola e na rua, desde que paralelamente com esportes dentro do âmbito da comunidade (beisebol, atletismo, tênis de mesa, judô, etc). Religião, só as seitas orientais. Podia ser católico ou evangélico, mas também em ramos japoneses destas religiões. As crianças podiam brincar com os amiguinhos gaijins na rua ou, no máximo. no quintal de casa. Dentro de casa, só amiguinhos nikkeis. Foi uma época de grande perturbação, de grandes atritos entre gerações. Aos poucos, o Carnaval, o futebol,o rock and roll e as novelas começaram a fazer parte do cotidiano dos jovens nikkeis. Não tinha mais como segurar o caminho para a integração.

Foi tanta integração que uma grande parcela das novas gerações – a partir dos sanseis (terceira geração) – começou a se distanciar totalmente da vida comunitária. Era de se esperar que em pouco tempo, tudo ia virar história, um belo conto de um grupo de aventureiros japoneses que vieram para o Brasil praticamente com a roupa do corpo e, de geração em geração, com muita dedicação, sofrimento e trabalho, foi se impondo como gente de bem e que no século 21 se integrou totalmente, com os descendentes guardando pouco ou nada dos traços culturais e sociais do país de origem.

Mas quis o destino que nada disso acontecesse. Nas últimas décadas, o fenômeno dekasegui, com os nikkeis brasileiros num constante vai e vem ao Japão, a glorificação das artes e da culinária japonesa no ocidente (em especial no Brasil), além da explosão de atividades culturais e artísticas, como o karaokê e taikô, fizeram soprar um vento de “revival” entre os descendentes. Hoje, temos os extremos, de gente que vive em guetos sociais e culturais, seja nos kaikans ou em grupos artísticos; até nikkeis que repudiam qualquer contato com as coisas da comunidade. Entre esses extremos, tem nikkei para todos os gostos. Para o futuro, o que esperar em termos de identidade? Se antes a classificação era de nissei, sansei e daí por diante, certamente as próximas serão as do “não-sei”. Porque prever o que vai acontecer nas próximas décadas é pura especulação!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br