Recado da moçada, por Nelson Fukai

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Os jovens que invadiram as ruas brasileiras estão em outra órbita que não a nossa, dos adultos. Eles sabem nada de fusquinha ou de máquina de escrever, tanto quanto de ditadura militar ou diretas-já…

…Não é do tempo deles. Pergunte a um jovem o que acha da Comissão da Verdade. Na verdade a maioria nem sabe que existe essa tal comissão.

Esses jovens, todos com menos de 25 anos, não querem saber de passado, de quem foi perseguido pelos militares ou qual contribuição que fizeram no passado os homens que estão hoje nos altos cargos públicos. O negócio deles é discutir o presente e o futuro. A maioria nem sabe exatamente o que quer, mas com certeza sabe o que não quer. E eles não querem o que está aí, a forma como o país, os estados e municípios são governados e as relações promíscuas entre os que detêm o poder político e o poder econômico. Para os jovens, pouco importa a sigla, PT, PSDB, PMDB, PSB e outras, político para eles são pessoas desonestas, que só pensam nos seus próprios interesses, pouco se preocupando com o país.  Nós, brasileiros adultos e cansados, também estávamos cientes disso tudo e víamos com tristeza que a tal redemocratização não passou de embuste. Mudaram só as moscas, como se diz no popular. Mas o Brasil adulto foi se acomodando e perdendo a capacidade de se revoltar, quando muito mostrava indignação através de e-mails para os amigos e ficava esperando uma solução vinda dos céus.  Acostumamos a pagar sem reclamar, mais de 10% de juros para os cartões de crédito e impostos escorchantes; já víamos com naturalidade os superfaturamentos de obras públicas, a explosão do número de ministérios, a demora da justiça em julgar o mensalão, os benefícios desavergonhados dos homens que ocupam altos cargos públicos nas três esferas de poder; e já tínhamos perdido a esperança em contar com serviços públicos decentes, já nem comovia o fato de doentes serem tratados de forma desumana e crianças serem condenadas a um aprendizado de péssima qualidade.

Nunca antes na história da democracia moderna e em nenhum lugar do mundo, um grupo de políticos e empresários arquitetou um plano tão perfeito para se perpetuar no poder. Beneficiar com dinheiro público a parcela mais ignorante, mas não o suficiente para que ela saia dessa condição, garantindo dessa forma o apoio eleitoral necessário para ganhar as eleições. E tirar da classe média, mais esclarecida, mas alienada e acomodada, grande parcela dos seus ganhos, via impostos, usando para enriquecer a si e os amigos, e se garantir no poder.

Só não contavam com os jovens. A moçada não estava conseguindo entender como um governo que arrecada de impostos quase 40% de tudo o que país produz, não proporciona à população serviços decentes na área de educação e saúde; não entendia os altos preços dos alimentos num país que bate recordes de produção no campo; não entendia porque professores e médicos que trabalham para o estado recebem salários aviltantes, enquanto políticos, seus assessores e a turma da boquinha ganham salários de marajá; e principalmente não entendiam porque sendo opinião unânime entre os adultos de que muita coisa está errada, eles nada ou pouco faziam para exigir mudanças. Por não entenderem estas e outras tantas questões que afligem o país é que os jovens saíram às ruas. O aumento no preço das passagens foi apenas o estopim. E nós, adultos e velhos, estamos indo a reboque. O vigor dos jovens de hoje, fez renascer o espírito contestador, rebelde que tivemos nos anos 60 e 70.

Infelizmente “eles” não entenderam nada, ou se entenderam estão se fazendo de poste. Afinal, ela foi eleita como tal. Ninguém exigiu reformas políticas a toque de caixa. Isso precisa ser feito – mas bem feito e não às pressas. O que o povo quer de imediato é lisura, honestidade, competência, transparência, que deveriam ser condição inerente (e não qualidade elogiável) às pessoas que ocupam cargos públicos. Se a presidenta, em rede nacional, prometesse que até o final seu mandato iria diminuir pela metade os ministérios e limitar os cargos de confiança do governo federal (que hoje superam os 20.000) a algumas centenas, já seria um bom começo. E se na reunião com governadores e prefeitos das capitais, a presidenta tirasse destes o compromisso de fazer o mesmo, então a gente já sentiria um cheiro de estadista. Mas, como era de se esperar de um governo despreparado e populista, o cheiro que estamos sentindo é bem outro!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br