Opinião: A morte

0
454

A única certeza que temos na vida ainda é um mistério que, mesmo depois de milênios da existência humana na terra, ainda tentamos desvendar. Para os ateus, é simplesmente o fim. Depois dela nada mais existe. Para a maioria das religiões, é o fim da vida material e início da vida espiritual, variando de opinião quanto ao retorno ou não destes espíritos para outras experiências carnais. Mas sejam ateus ou crentes, todos sofrem quando a morte atinge pessoas conhecidas, ainda mais quando parentes próximos…

Nos últimos três meses a morte rondou minha família. Dois meses atrás, após cerca de cinco anos de enfermidade, minha sogra, AyakoIzuno Saito, veio a falecer com 94 anos. No dia da eleição (5 de outubro), minha tia Teru Takaoka, irmã do meu pai, faleceu aos 96 anos. São mortes que já não carregam muitas dores ou traumas, afinal, o sofrimento pelas quais passam pessoas desta idade, devido enfermidades graves, faz com que o fim da vida signifique mais um alívio do que propriamente uma perda.

O que pegou de jeito a parte familiar ligada à minha esposa – e nos acertou de forma muito traumática – foi a morte de Marco Sigenaga, 38 anos, marido da minha sobrinha Miki e pai de duas crianças, de 2 e 4 anos. Ele foi vítima de um acidente de carro, na Rodovia dos Bandeirantes. No dia 2 de outubro, uma quinta feira, Marco estava indo à cidade de São Carlos, para um curso de especialização e muito importante na sua nova empreitada profissional. Eram 7 horas da manhã, quando uma perua Mitsubishi que vinha no sentido interior-capital, atravessou o canteiro central e colidiu frontalmente com o carro do meu sobrinho. Não sobrou nada. A morte foi imediata, deixando um corpo bastante mutilado. Acontecimento muito doloroso, com alguém próximo da gente, mas que em condições normais deveria ser debitado a uma fatalidade, talvez o “estar no momento errado, no lugar errado”. Porém, acontecimentos posteriores mostraram que o acidente pode não ter sido uma simples fatalidade, mas alguma coisa um pouco diferente.

Não se trata de uma acusação, mas o que consta no boletim de ocorrência é uma versão bastante suspeita, quase feita sob encomenda para quem quer fugir da responsabilidade. Uma pessoa de idade avançada afirma que ela estava dirigindo o veículo (um carro moderno e possante), passou mal, perdeu o controle do veículo e causou o acidente. Eram dois os ocupantes, mas um deles, provavelmente mais jovem, nem foi para o hospital, alegando que não tinha se ferido. O policial acreditou cegamente nesta versão, fez exames e constatou que o idoso não estava alcoolizado, comunicando aos parentes da vítima do acidente que tudo não passara de uma grande fatalidade. Será? Recursos tecnológicos disponíveis atualmente podem confirmar ou contestar a versão apresentada. Bastava o policial verificar o filme do último pedágio, para confirmar – ou não – parte da versão apresentada. Será que isso foi feito? E foi feito exame de corpo delito e de alcoolismo no outro ocupante da perua?

Mas, mesmo que investigações sejam feitas e sejam provadas que as coisas não se sucederam exatamente como está no boletim de ocorrências, nada vai acontecer. Um bom advogado que o dono de uma perua Mitsubishi certamente terá condições de contratar, livrará todos os envolvidos de penas pesadas. Meia dúzia de cestas básicas é o que vai custar a vida do meu sobrinho. Imprudência, alcoolismo, dirigir mesmo estando sonolento… nossas leis são frouxas e os irresponsáveis continuam a dirigir impunemente em nossas estradas e avenidas. Muitas vezes estes irresponsáveis são nossos parentes ou amigos e nós os tratamos como cidadãos de bem, quando, na verdade, são assassinos em potencial. As leis ou as regras sociais podem classificá-los de outra forma, mas é isso mesmo que eles são. E deveriam ser excluídos do nosso convívio social enquanto teimarem nesta irresponsabilidade. Quem sabe assim essas pessoas tomariam consciência do perigo que representam, pois sua irresponsabilidade pode matar gente inocente. De autoridades, estamos cansados de esperar por leis mais severas. Ou a sociedade começa a excluir do seu convívio os potenciais assassinos travestidos de honrados cidadão, ou vamos continuar a chorar a morte de entes queridos. Hoje foi o meu sobrinho, amanhã pode ser seu filho, seu irmão ou até você mesmo, nobre leitor!!!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br