Opinião: Heróis ou Bandidos

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Os velhos isseis, imigrantes que vieram antes da guerra, não falavam abertamente, mas sempre deram a entender que o japonês era uma cara especial, nivelados aos alemãos e superiores às outras raças. Das histórias dos heróis épicos da antiguidade às façanhas dos kamikazes da segunda guerra, o japonês sempre foi apresentado como um herói, um ser humano capaz de qualquer sacrifício pelo seu imperador, pelo seu país ou pela honra pessoal ou de sua família, mesmo que isso custasse a sua vida. O haraquiri, o suicídio cerimonioso que consiste em rasgar o ventre com um punhal, sempre foi mostrado como o símbolo de um povo que coloca a honra acima da própria vida…

Nelson FukaiE desde criancinha nós, os filhos dos imigrantes, fomos doutrinados segundo essa crença, fosse nos nihon-gakou (escola de língua japonesa), nas igrejas e seitas nipônicas, até nos esportes e principalmente no dia a dia, dentro de casa. Mesmo quando era forte a discriminação que os japoneses e seus descendentes sofriam por parte dos brasileiros ditos nativos, eles nunca abaixaram a cabeça, ao contrário, sempre se sentiram superiores. Exatamente esse sentimento de superioridade é que fez com que muitos imigrantes não aceitassem a derrota do Japão na segunda guerra, perseguindo e até matando os patrícios que conclamavam publicamente a aceitação desse resultado, no episódio que ficou conhecido como Shindo-Renmei.  E quando aconteceu a reconstrução do Japão em menos de três décadas após o desastre da guerra, o fato foi chamado de Milagre Japonês, uma revolução desenvolvimentista, qualitativa e quantitativa, jamais vista na história. De uma terra arrasada pelas bombas, o país chegou a segunda maior economia do planeta, atrás apenas dos Estados Unidos, deixando o mundo assobrado. E esta transformação foi totalmente debitada à capacidade, à perseverança, à disciplina e à dedicação do povo japonês.O japonês passou a ser admirado e elogiado em todo o mundo, de uma forma nunca vista antes. E aqui no Brasil, nós, os nikkeis, mesmo não tendo nenhuma participação no chamado milagre, acabamos sendo favorecidos e muito desse oba-oba de elogios acabou colando na gente também.

Aí é que entra o contraditório. Este mesmo japonês, cultuado e adorado no ocidente por sua educação, por sua honestidade e por sua dedicação ao trabalho foi e é capaz de atitudes animalescas.O mesmo soldado exemplar do Exército Imperial Japonês, bravo e honrado no campo de batalha, foi capaz das maiores barbaridades contra os inimigos capturados. Quando os japoneses invadiram a China assassinaram velhos, mulheres e crianças, praticando uma verdadeira carnificina. Na Coréia praticaram estupros coletivos, deixando sequelas que perduraram por décadas. Na idade média os senhores feudais, garantidores da justiça e da ordem, não raramente saqueavam aldeias e exigiam dos humildes agricultores, que reservassem suas filhas virgens para saciarem suas taras sexuais, uma prática mostrada nos filmes japoneses como coisa corriqueira. Ainda hoje a máfia japonesa controla parte da economia japonesa, espalhando terror e cometendo as mais horríveis atrocidades. A sociedade japonesa, tão elogiada quando se trata do cotidiano coletivo é uma falsidade no plano individual. A competição social que começa desde muito cedo, acaba formando pessoas estressadas, que ao menor fracasso acabam se suicidando. Em 2014 foram mais de 25.000 casos de suicídio no país.Outros tantos vivem em verdadeira cela psicológica, impotentes para enfrentar fracassos. Conhecidos como “hikikomoris”, os enfurnados, que segundo estatísticas aproximam de um milhão de pessoas, passam meses, anos e alguns até décadas, totalmente isolados dentro de casa. Sem contar as colegiais que se prostituem e o assédio sexual dos chefes nas empresas, práticas que não combinam com a tão cantado e elogiado caráter do povo japonês.

Assim, não dá para precipitadamente formar um conceito fixo sobre o caráter do povo japonês. Não dá para cair na ladainha de que são espetaculares, que tudo que fazem é perfeito. São realmente um povo educado, a maioria de seus costumes são elogiáveis, mas carregam também muitas falhas, afinal não são deuses. Deus no Japão, só o imperador, que depois da derrota na segunda guerra, confessou publicamente que não passava de um simples ser humano. Se o imperador disse, quem sou eu para discordar!

NELSON FUKAI é engenheiro, escritor e analisa questões do presente e passado da comunidade nipo-brasileira. E-mail: nelsonfukai@yahoo.com.br.